A Justiça não funciona e põe em causa o Estado de direito e a credibilidade da democracia; a economia está estagnada há dez anos e o desemprego atinge 11%, a mais alta taxa de sempre, condenando 25% dos jovens à inactividade; o défice das contas públicas é crónico e o endividamento do Estado é tal que já dificilmente encontramos quem nos financie. Eis o dramático estado da nação: Portugal está prestes a falir e é um país que precisa de esperança. Acompanhando a campanha para a Presidência da República, o mais alto cargo da nação, dir-se-ia que - e como costumava entoar uma conhecida apresentadora de pavorosos reality shows - "Isso agora não interessa nada..."
De que falam os seis candidatos à Presidência da República a eleger dentro de uma semana? Os cinco candidatos que representam a esquerda falam do BPN e de outros incidentes pessoais, da compra e venda (ninguém se atreve a dizer que ilegítima) de umas acções no início da década passada e insinuam sobre o carácter do outro candidato, Cavaco Silva, o único não socialista. São como cinco cães a um osso. A esquerda em Portugal está convertida nisto mesmo; na ausência de qualquer projecto, qualquer ideal, qualquer vontade, qualquer esperança, a única coisa com que se importa é em sujar qualquer debate, enlamear qualquer figura, conspurcar qualquer vontade que pretenda fazer de Portugal um país melhor.
Não gosto de campanhas sujas e já considerei um erro, há ano e meio, a campanha que o PSD fez contra o candidato a primeiro-ministro José Sócrates, também ela fundamentada em ataques ao carácter.
Portugal vive um momento determinante da sua história. É certo que a nossa existência assenta em oito séculos de história e numa língua comum mas o nosso futuro, só por isso, não está assegurado. Que país queremos ser nos próximos 20 anos? Que estilo de vida pretendemos privilegiar, agora que a ilusão da felicidade consumista se desvanece? Como canalizar a energia dos jovens neste esforço nacional? Que papel cabe aos avós (ou aos seniores) na estruturação da nossa sociedade? Como compatibilizar família e emprego e estimular a natalidade? Como se combate a desertificação do interior? Como estruturar a Justiça para que seja um sistema eficaz e com responsabilidades claras? Que tipo de empresas queremos incentivar para equilibrar a nossa balança comercial e combater o desemprego? Que papel social útil podem ter aqueles que caem no desemprego? Como aligeiramos o Estado e o tornamos mais amigo do empreendedorismo? Qual a relação adequada entre livre acesso a serviços de saúde e educação, 'gratuitidade' e sustentabilidade do Estado social? Vale a pena evitar a ajuda externa com taxas de juro superiores a 7%?
A todas estas (e muitas outras) perguntas Manuel Alegre, Francisco Lopes, Defensor Moura, o patusco Coelho e, às vezes, Fernando Nobre apenas dizem: isso agora não interessa nada... Eu acho que a generalidade dos portugueses já percebeu o que está em causa no próximo dia 23: um país que se agiganta e quer aproveitar esta crise para aprender e vencer os desafios com que estamos confrontados ou um país que se consome e apaga, assolado em ódios pessoais, cada vez mais pequeno e medíocre.
Acredito que a 23, e em resposta à mesquinhez dos desesperados, Cavaco vai ter uma votação histórica.
Nota: António Pires de Lima escreve de acordo com a antiga ortografia
Texto publicado na edição do Expresso de 15 de janeiro de 2011