António Pinto Leite

Silêncios ensurdecedores

António Pinto Leite (www.expresso.pt)

É perturbador o silêncio dos pobres, velhos e novos, atingidos no recuo das prestações sociais quando esperariam, com toda a razão, que os sacrifícios não passassem por eles. Mas esta gente não tem voz, não influencia, não se impõe.

A greve geral desta semana evidencia os desequilíbrios da democracia moderna e o seu grande desafio de os corrigir. Somos todos iguais a votar, mas não somos todos iguais a influenciar os caminhos do nosso país. Há uma desigualdade profundíssima e injusta na representação dos diversos interesses sociais. Uns têm voz, outros não têm. Há fortes e fracos e a democracia moderna protege os fortes e não os fracos.

Há etnias sociais com poder reivindicativo e etnias sem qualquer poder reivindicativo. O problema é que aqueles que têm força reivindicativa pedem para eles e não para os outros.

Há silêncios ensurdecedores na sociedade portuguesa. A greve geral tornou esses silêncios ainda mais ensurdecedores.

Entendo o sentimento de desagrado dos funcionários públicos, que não são os responsáveis pela crise, mas eles estão longe de ser a expressão prioritária do sofrimento da nossa sociedade. Pelo contrário, têm direitos que mais nenhum português tem e o custo do Estado tem um impacto devastador na vida dos outros portugueses e no nosso contínuo empobrecimento.

É tremendo o silêncio dos desempregados, feridos na sua dignidade humana e, todavia, sem voz, assistem a greves de quem tem o emprego seguro e desesperam diante de um mercado de trabalho que lhes fecha a porta, protegendo os que têm emprego. Onde está o sentido de justiça para com aqueles que mais sofrem? Mascarada de slogans sindicais, é a lei do mais forte.

É aflitivo o silêncio de tantos dos mais velhos, já indefesos, alguns com pensões miseráveis, que se devem perguntar como pode a sociedade fazer-lhes perder poder de compra e feri-los nos apoios sociais. Pura crueldade, mas, claro, não têm voz, são os fracos da democracia moderna. É a lei do mais forte.

É perturbador o silêncio dos pobres, velhos e novos, atingidos no recuo das prestações sociais quando esperariam, com toda a razão, que os sacrifícios não passassem por eles. Mas esta gente não tem voz, não influencia, não se impõe, pede sopa. Devendo ser o centro de nós todos, os pobres são a periferia da democracia. É a lei do mais forte.

É, por fim, surpreendente o silêncio dos que pagam impostos e alimentam tudo isto. Os milhões de portugueses que trabalham no setor privado, que todos os dia lutam pelo seu trabalho, que todos os dias lidam com o espetro do desemprego, que todos os dias equacionam emigrar, assistem incrédulos e passivos a esta constatação: são os que têm emprego seguro, pago por eles, que parecem ser as vítimas da democracia e da crise.

A democracia tem apenas duzentos anos. Daqui por uns séculos se reconhecerá como era injusta e imperfeita a democracia do século XXI.

Texto publicado na edição do Expresso de 27 de novembro de 2010