António Pinto Leite

Para onde fogem os nossos filhos?

Os nossos filhos fogem, todos os dias, para países com regras de trabalho flexíveis, essencialmente assentes no mérito e no dinamismo da economia.

António Pinto Leite (www.expresso.pt)

A posição do PS sobre a proposta de revisão constitucional do PSD é retrógrada e autocrática.

No início do verão de 1989, era então presidente da Distrital de Lisboa do PSD, fui recebido por Cavaco Silva, na altura primeiro-ministro. Recordo a sua alegria logo ao receber-me: estivera pouco antes com Vítor Constâncio, líder do PS, o qual concordara fazer a revisão constitucional e acabar com o princípio da irreversibilidade das nacionalizações e com o "rumo ao socialismo".

O PS, conservador e atrasado com a história, resistira mais de dez anos (!) a este clamor do PSD. O Muro de Berlim cairia em novembro de 1989, breves meses depois. Teria sido a vergonha absoluta para o PS se o 'rumo ao socialismo' ainda estivesse na Constituição nesse dia.

A reação do PS hoje tem o mesmo perfil de conservadorismo e atraso com a história: o Estado social é uma mentira se não for recriado e redefinido para que possa ser sustentável. Querer o Estado social é ter a coragem e a liberdade de o tornar sustentável.

O PS não gosta das ideias do PSD? Debata no terreno das eleições, não se esconda atrás da Constituição.

Mas a atitude do PS é também autocrática. Como é possível, em consciência democrática, quase 40 anos depois do 25 de abril, negar ao partido alternativo de governo a possibilidade de governar segundo o seu programa? Que democracia é esta, que Constituição é esta, em que o povo está impedido de discutir e de decidir sobre como quer preservar o seu modelo social?

A questão dos despedimentos ainda melhor põe a nu a arrogância dos socialistas.

Como negar ao partido alternativo de governo um texto constitucional alinhado com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, segundo a qual "todos os trabalhadores têm direito a proteção contra os despedimentos"?

O PS devia, com seriedade, fazer a pergunta que dói no coração de Portugal: para onde fogem os nossos filhos?

Os nossos filhos fogem, todos os dias, para países com regras de trabalho flexíveis, essencialmente assentes no mérito e no dinamismo da economia.

Tenho filhos a trabalhar em Espanha e em Inglaterra e, santo deus, quem é Portugal para dar lições de direitos fundamentais ou de Estado social a esses países?

Quem explica ao PS que a Inglaterra, pátria europeia da liberdade, é inconstitucional em Portugal? Quem explica ao PS que permitir ao maior partido da oposição governar segundo o seu programa é uma melhoria incontestável da Constituição?

Texto publicado na edição do Expresso de 25 de setembro de 2010