António Pinto Leite

O drama de pagar a horas

António Pinto Leite (www.expresso.pt)

As empresas portuguesas são, em média, péssimas pagadoras. A tabela do risco de pagamento elaborada pela Intrum-Justitia (European Payment Index-2010), após estudo a vinte e cinco países europeus, é arrasadora para Portugal: somos os piores classificados, com indicadores que nos devem envergonhar.

Os atrasos nos pagamentos, segundo 90% das empresas portuguesas inquiridas, têm vindo a piorar, sendo as faturas pagas, em média, a 88 dias. O sector público, que tinha melhorado, voltou a piorar dramaticamente, demorando, em média, 141 dias (quase 5 meses) a liquidar uma fatura, quando a contratualização, em média, é feita a 57 dias. O estudo revela, ainda, que a maioria das empresas portuguesas acredita que a tendência é para piorar.

Não compreendo que uma empresa possa considerar-se socialmente responsável se nem sequer paga a horas aos seus fornecedores. De pouco valem lindos programas de responsabilidade social ou grandes proclamações de ética e de seriedade, se nem sequer o básico dos básicos, pagar pontualmente, se cumpre.

Líder empresarial que, podendo, não paga a horas os seus compromissos não tem qualidade ética.

E quando não se está em condições de assegurar prazos de pagamento, avisa-se o potencial fornecedor e, eventualmente, acordam-se prazos mais dilatados. É, simplesmente, o que manda o princípio da boa-fé.

A questão é económica e socialmente grave: a Comissão Europeia identificou os atrasos nos pagamentos como uma das principais barreiras ao crescimento das empresas, em especial das de menor dimensão. Num dos seus estudos, refere que o excessivo prolongamento dos prazos de pagamento justifica cerca de 25% das falências verificadas na UE e leva à perda de 450.000 postos de trabalho por ano.

O papel do Estado neste domínio é explosivo: primeiro, porque dá um exemplo desastroso a toda a economia, pagando muito mais tarde do que todos; segundo, porque esfola o IVA às empresas, quer elas tenham já recebido ou não dos clientes; terceiro, porque serve de desculpa recorrente no mundo empresarial para que as empresas não paguem pontualmente uma às outras, quer dependam do Estado quer não.

Pagar a horas é uma questão de cultura empresarial e, sobretudo, de honradez pessoal dos líderes empresariais. Se eu não pagasse a horas aos meus fornecedores coraria de vergonha, não consigo, mesmo, compreender que todos os outros não sintam o mesmo.

Pagar a horas é ser bom cidadão. Os maus cidadãos deveriam pagar uma taxa pelos danos económicos e sociais que causam. Esta questão não é meramente entre particulares, de direito privado, a questão é de natureza social, causa sofrimento, desemprego e pobreza, merecendo a atenção das políticas públicas, desde logo da política fiscal.

Texto publicado na edição do Expresso de 28 de Agosto de 2010