Portugal dizimou a Coreia do Norte, mas a questão portuguesa neste Campeonato do Mundo mantém-se intacta: como ganhar um campeonato a adversários que são melhores do que nós? É esta a questão.
A resposta para este desafio pode ser encontrada na história do nosso futebol e na história do próprio Carlos Queiroz. Portugal foi bicampeão do mundo sub-20, em 1989 e 1991, das duas vezes liderado por Carlos Queiroz. Vale a pena enquadrar a atual seleção no que então se passou.
Em 1989, na Arábia Saudita, o nível médio da nossa seleção deixava muito a desejar e, mesmo assim, fomos campeões. Que destino tiveram Bizarro, Abel Silva, Valido, Morgado, Tozé, Hélio, Amaral, Paulo Alves, Folha, Paulo Madeira, Resende e outros? A obra notável de Carlos Queiroz foi formar com jogadores médios portugueses uma equipa campeã do mundo. Os princípios eram fáceis de perceber, um sistema com tração ao meio (e não atrás), uma equipa muito competitiva e organizada, trasbordantemente tática, calculista até ao ponto de ser chata, treinada para nunca perder o controlo das situações e maximizando os fatores de excelência que tinha, sobretudo João Pinto. Não éramos a melhor seleção e ganhámos.
Em 1991, com Figo, Rui Costa, João Pinto e outros, a seleção voltou a ser campeã do mundo, em Lisboa, numa versão diferente. Portugal sabia, nesse ano, ser a melhor seleção e assumiu-o. Contra os três médios defensivos de 1989, Portugal chegou a jogar com um apenas (Peixe). Éramos a melhor seleção e ganhámos.
Agora, na África do Sul, a referência de Portugal deve ser a aventura de 1989 e não a de 1991. Parece-me que Carlos Queiroz o percebeu. Não é por acaso que a seleção sofreu apenas um golo nos últimos nove jogos. O sistema defensivo, que envolve toda a equipa, vem sendo afinado nos últimos dois anos e transformou-se num verdadeiro sistema de controlo do jogo, tal como em 1989.
Há males que vêm por bem: a saída de Deco ajudou Carlos Queiroz a encontrar o trio de médios todo-o-terreno que asseguram o tal controlo do jogo. E pode ir mais longe neste conceito. Recordo a forma como Mourinho enfrentou a final da Liga dos Campeões quando era treinador do Porto: os tais três médios que lhe asseguravam o controlo do jogo (Costinha, Maniche e Pedro Mendes), mais Deco. Carlos Queiroz não deve desprezar esta via, colocando Deco como quarto médio.
Sobra um ponto decisivo: como maximizar Ronaldo? Maradona deve ser dos piores treinadores do mundo, mas teve uma ideia genial: colocar Messi escondido no meio-campo, protegido por uma guarda pretoriana, criando as ruturas da equipa e aparecendo várias vezes embalado à entrada da área. Entre ter Ronaldo intermitente nas alas ou entregar-lhe o jogo, como Maradona entregou a Messi, não é de excluir esta segunda solução, sobretudo se Deco não recuperar a forma.
Vamos confiar e torcer. A partir do mata-mata dos oitavos de final só o modelo de 1989 nos pode inspirar. Não é ser pouco ambicioso, é ser realista para poder ser ambicioso.
Texto publicado na edição do Expresso de 26 de Junho de 2010