António Pinto Leite

Harvard e o Estado

Como nos privados, uma boa decisão do Estado seria dar uma ordem de redução de custos administrativos com a indicação: se o objetivo não for atingido, sê-lo-á por via da redução salarial.

António Pinto Leite (www.expresso.pt)

Na sua edição de Maio, a "Harvard Business Review" publicou um artigo usual, mas que, lido de uma certa maneira, se transforma num texto brusco e interpelativo.

O artigo tem um título familiar para o sector privado: "When you've got to cut costs". Depois, também familiar para o sector privado, os professores autores do artigo começam sem cerimónias: "Você tem sido até hoje um bom gestor de um grande departamento. Sempre que pôde, reduziu custos. Mas agora recebeu uma ordem do topo da empresa (de alguém relativamente ao qual não pode discutir nem a bondade nem a exequibilidade da ordem) decretando que você tem que reduzir os custos administrativos do seu departamento em 10%, 20% ou 30%, sem incluir despedimentos. Now!"

Logo de seguida é dito: "You just don't see how it can be done".

A reflexão prossegue com as orientações adequadas para obter reduções de 10%, 20% ou 30%.

A brusquidão e a interpelação do artigo é esta: por que razão este tipo de ordem, cuja bondade e exequibilidade não se pode discutir, não é recebida pelos gestores dos múltiplos departamentos do Estado? Sim, reduzam custos, sem despedimentos, 10% ou 20%. Ou 5%, para começar, "now"!

A maioria irá dizer que "I just don't see how it can be done", mas não se preocupem com isso, porque é exatamente o que diz o gestor privado. Fica desorientado, às vezes revoltado. Não é esse o problema, o problema é que a redução de custos tem que ser feita.

O grande ponto está em não dar saída ao gestor, ele tem um problema para resolver que não sabe como, mas vai acabar por resolvê-lo, ou sai para que outro o faça.

Não é justo vivermos numa sociedade a dois tempos e a duas exigências. Como não é justo para tantos excecionais funcionários superiores do Estado não serem tratados com a mesma motivante exigência com que seriam tratados no sector privado, atirando-se-lhes para cima problemas radicalmente desafiantes como este.

Ainda é menos justo ver os portugueses do sector privado, que passam por todo este stresse, a serem sugados por uma instituição, o Estado, que vive falido e à margem da nossa realidade.

O problema reside no facto de os funcionários públicos nada terem a perder. Têm segurança no emprego e a convicção, dramaticamente correta, alimentada por políticos sem qualidade, de que nos aumentarão os impostos e tudo sempre se resolverá.

Uma boa decisão de Estado seria dar uma ordem de redução de custos, com a indicação de que se o objetivo não fosse atingido por via da redução dos custos administrativos seria atingido por via da redução salarial.

Todos teriam a perder, como no sector privado e, como no sector privado, podem ter a certeza, a ordem seria cumprida e excedida.

Texto publicado na edição do Expresso de 24 de julho de 2010