Conhecemos de cor e salteado os temas dominantes para os próximos tempos. A Grécia, já em união de facto com o FMI, procurará pôr alguma ordem na privilegiada, mas custosa, qualidade de vida dos seus habitantes. A Irlanda, em adiantado estado de namoro com o FMI, tentará dar algum oxigénio ao seu sistema financeiro. Portugal, já com vários casamentos e divórcios com o FMI, não desejará retomar essa experiência matrimonial e garante resolver, com determinação e estoicismo, as suas dificuldades. A Espanha, pudica e orgulhosa, que durante anos fez inveja pela dinâmica da sua atividade imobiliária, amaldiçoará quem lhe falar de um eventual flirt com o FMI. A Itália, entretida com as delícias do bunga-bunga, poderá estar a pôr-se a jeito para uma paixoneta com o FMI. A Alemanha, fanática com o trabalho, dispensará namoros.
Os especuladores serão zurzidos por especularem, como se existissem taxas de juro para instituições mal comportadas e outras (iguais) para as bem comportadas. Recuso-me, com protesto lavrado em ata, a apelidar de especuladoras as instituições portuguesas que adquirem títulos da dívida portuguesa com os elevados juros que têm sido praticados.
No meio de tanto apelativo tema, tanta variedade de opiniões, tanta stressante angústia, tanta infundada acusação, tanta distorcida interpretação, tanta volátil futurologia e também tanto humano disparate, as confusões multiplicam-se. O mexilhão, que apanha com as vagas das borracheiras geradas pelas pândegas, anda baralhado. Sobretudo pela intencional confusão na utilização do termo 'apoio'. Os milhares de milhões de euros que os membros mais ricos da União Europeia têm canalizado para os países com níveis de desenvolvimento mais baixos resultam de um saudável princípio de solidariedade.
A Grécia, Portugal e Espanha há mais de duas décadas e meia que os vêm recebendo. Como os utilizaram, material e politicamente, e contribuíram equilibradamente para a geração de riqueza, níveis de consumo e endividamento, é outra questão. As referências feitas ao posicionamento de Angela Merkel na situação que se está a viver e que conduziu ao imbróglio em que o euro e a União Europeia estão metidos necessitam de uma análise mais fina e menos apaixonada. É verdade que a primeira-ministra alemã, pela sua insensibilidade, não percebe os felizes povos do Mediterrâneo. Adoram o sol, ao contrário dos taciturnos germânicos que vivem para o trabalho. Daí os bronzeados sulistas poderem ter sonhado com um trade off.
Consolávamos os frios nortenhos com o nosso sol durante as suas férias sem pontes. Em contrapartida, eles ajudavam à manutenção de fantasiosas qualidades de vida desenquadradas da riqueza produzida e sustentada pelo endividamento. Todos reconhecem que, desde 1986, se foi longe de mais na ânsia da conquista ou manutenção do poder. O problema é a senhora alemã ser Angela só de nome. Agora, por sua pressão, os povos do Mediterrâneo têm de fazer dolorosos ajustamentos. Berram, agitam-se, fazem greves gerais, mas não têm alternativa. Felizmente, continuarão a gozar o maravilhoso sol do Mediterrâneo, mas recomenda-se muito protetor solar para evitarem novo escaldão.
Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 27 de novembro de 2010