António de Almeida

Rainhas e damas de companhia

Nas filas de espera de certos lugares existem centenas de candidatos dispostos a fazer de damas de companhia

António de Almeida (www.expresso.pt)

Os beirões, especialmente os que sofreram a dureza da vida de antes e logo a seguir à Segunda Guerra Mundial e tiveram de ir fazer por ela para longe das terras que os viram nascer, nomeadamente Brasil, EUA e África, têm uma maneira especial de estar, de analisar, de comunicar, de resistir, de gozar interiormente com os vivaços da nossa praça. Como disse o dr. Pinto Monteiro, "nunca desistem daquilo em que acreditam".

Quando Almeida Santos diz uma frase que leva os órgãos de comunicação social a revelá-la como se fosse um pecado mortal referir Deus nosso Senhor, é preciso conhecê-lo bem para perceber o seu gozo da pena, não maculada pelo computador. Quando o dr. Fernandinho fala dos poderes da rainha de Inglaterra, é fundamental dispor de uma inteligência mínima para perceber onde quer chegar. Não sabe ele outra coisa senão que poderes tem.

No nosso país confunde-se, com intenção, poderes individuais com poderes coletivos. Omite-se, com igual intenção, o ambiente criado para que uns, mesmo com poucos poderes pessoais, sejam poderosos, e outros, carregados de poder legal e estatutário, sejam envolvidos num meio que, de facto, limitem o seu exercício. Dirão alguns entendidos que a solução é o pedido de demissão. Como se resolvesse o problema. Nas filas de espera de certos lugares, mesmo insignificantes, existam centenas de candidatos dispostos a fazer de damas de companhia. O problema reside no desenvolvimento e acarinhamento de uma cultura que aprecie os dirigentes que, no desempenho das suas funções, atuam com firmeza e frontalidade, mesmo incomodando interesses e poderosos.

Esta questão é particularmente importante no governo das sociedades em que as funções de gestão e de fiscalização, independentemente do modelo, estão separadas. Recordo que Rui Vilar, quando, há anos, foi convidado para chairman da Petrogal, e o Estado detinha a maioria do capital, ter sentido a necessidade de afirmar que não seria a rainha de Inglaterra. Rui Vilar sabe do que fala. Nas empresas em que existe um acionista, Estado ou privado, ou personalidade com o poder, designadamente para escolher e depor a rainha de Inglaterra, esta, pelo completo apagamento e dependência, fica transformada numa dama de companhia. E isto não é saudável em nenhuma sociedade.

Depois da crise vivida em janeiro do corrente ano, o IPCG ressuscitou há pouco tempo. Felizmente, no seu numeroso naipe de 45 membros encontram-se alguns, que tenho a felicidade de conhecer de perto, cuja coragem de intervenção e desapego ao lugar são notórios. Esses aspetos, aliados à conhecida independência e frontalidade do seu dinâmico presidente, Pedro Rebelo de Sousa, dão-nos a garantia de que a luta contra as damas de companhia vai ser contínua. E que as rainhas de Inglaterra serão incentivadas a ir à Tower of London buscar o cetro do poder e saberão exibi-lo com humildade mas firmeza. E esta questão não se resolve só com recomendações ou códigos. Mas, principalmente, com a prática honesta, tantas vezes geradora de noites de insónia.

Para ficar tudo na mesma, deixem as damas de companhia viver a felicidade de servirem os reis. E as rainhas de se dedicarem a obras de caridade.

Texto publicado no caderno de economia na edição do Expresso de 21 de Agosto de 2010