António de Almeida

Racionalizações e o Orçamento 2011

António de Almeida (www.expresso.pt)

Com os inultrapassáveis apertos do Orçamento 2011, ouve-se muito sobre a necessidade de se racionalizar o SEE - sector empresarial do Estado. Essa racionalização era necessária ontem. É-o hoje. Sê-lo-á amanhã. Contudo, é um erro ligá-la com situações de crise. Representa uma preocupação constante. Acresce que uma racionalização a sério requer estudo, objetivos claros, um programa de implementação e uma vontade férrea para a levar a cabo. Considerar um programa de racionalização do SEE, a diminuição de 20% dos administradores e a redução cega das remunerações fica bem na fotografia, mas é curtinho. Claro que malhar nos gestores e trabalhadores das empresas públicas, designadamente das que estão num mercado de concorrência, como é o caso da CGD e da TAP, representa um erro por parte do acionista Estado que, muitas vezes, se comporta como um inimigo das suas empresas. A desmotivação que vai criar dá vantagem aos concorrentes privados, agravada na TAP por outros fatores de natureza concorrencial recentemente criados. Agora que enche o olho do povo e o distrai de outras preocupações ninguém duvida.

Mesmo a dormir, qualquer gestor profissional sabe que não deve criar órgãos e cargos, sem consolidar a sua indispensabilidade e quantificar o valor que vão acrescentar à organização. Há quem o faça por outras razões, sem respeito pelo dinheiro dos acionistas ou dos contribuintes. Empolar estruturas de utilidade duvidosa, como já sucedeu tantas vezes, cria emprego, provoca promoções e gera expectativas. Já com alguns pesadelos, o gestor aprende que a racionalização é uma constante da sua vida, pela dinâmica do contexto em que as empresas actuam. Se os gestores, assim como os responsáveis políticos, pensam que, nos tempos de vacas menos magras, não precisam de racionalizar e que só o têm de fazer em fases de aperto, estão condenados. Um dia, alguém apanhará com os efeitos dessa prática. Nas fases de crise, a racionalização torna-se mais penosa. Deprimido pela insónia, o gestor confirma que qualquer racionalização digna desse nome (também há as porreiras) provoca reações. Quem quiser gerir, na pública ou privada, ganhando simpatias, poderá manter o lugar, mas não lhe ficaria mal um exame de consciência relativamente ao cumprimento das suas responsabilidades profissionais e políticas. São inúmeros os exemplos de gestores profissionais do SEE que querem e sabem racionalizar e exigem da parte do Estado o cumprimento das suas obrigações. Encontram barreiras por parte do acionista, pelas consequências políticas e incidências no défice que algumas racionalizações e legítimas exigências podem provocar. Fica-se por uma racionalização faz de conta.

A autonomia e a responsabilização da gestão são fundamentais para uma atividade empresarial que se deseje gerida empresarialmente e não politicamente. O ministro da tutela não é, nem deve ser, o Belmiro das empresas do sector.

Os partidos que berram contra o SEE devem dizer o que pretendem, onde vão mexer, quais as consequências para empresas como a CGD e TAP na concorrência com as privadas e qual a sua atitude relativamente à autonomia de gestão. Só dessa forma assumem as suas responsabilidades. O Orçamento 2011 representa uma excelente oportunidade.

Texto publicado na edição do Expresso de 30 de outubro de 2010