António de Almeida

Dividendos. Sim ou não?

O Banco de Portugal recomendou aos bancos para este ano não distribuírem dividendos. Merece aplauso.

António de Almeida (www.expresso.pt)

Todos os anos, por esta altura, a vida das empresas, designadamente das cotadas, ganha uma agitação especial. Organizam-se assembleias gerais. Preparam-se relatórios e contas. Os departamentos de contabilidade trabalham dia e noite.

Os de planeamento calculam desvios relativamente às previsões e constroem justificações para os negativos. Auditores externos acertam concisos e prudentes pareceres. Ultimam-se campanhas de imagem. Para mostrar os resultados, quando enchem o olho. Para desviar o olhar, quando são menos sexy.

O dividendo ganha protagonismo. Anunciada a política de dividendos, os gestores ficam prisioneiros dessa promessa construída num determinado meio envolvente, como se este não fosse escorregadio. Aparecem notícias sobre vários indicadores, com destaque para o dividendo a propor e, alavancadas pela aproximação da data do seu pagamento, as cotações das ações empertigam-se.

O tema dividendo é mais complexo do que as promessas e a imagem. O principal conflito reside na luta entre o compreensível desejo do recebimento imediato de dividendos e a visão de médio/longo prazo de reforço da solidez da empresa.

Em qualquer economia de mercado, o tema dividendo justifica debate entre os acionistas e visão nas decisões. Em Portugal, esse debate afigura-se imprescindível. Estamos em crise. O Estado, as empresas e as famílias estão endividados, o que poderá justificar o encaixe imediato, mas o futuro do país passa por empresas sólidas e competitivas. O Estado necessita de crédito para aguentar níveis adequados de investimento que possam apoiar a economia no período de maior aperto. As empresas também, seja para financiarem investimentos, seja para promoverem a produção em condições competitivas. O aumento das taxas de juro criou dificuldades ao Estado no louvável esforço de reduzir o défice. Nas empresas, os encargos financeiros também dispararam. É, pois, legítima a dúvida entre a distribuição de biliões de euros de dividendos pelos acionistas e a utilidade empresarial e nacional decorrente do reforço da solidez das empresas, como preparação para os desafios de hoje e de amanhã.

O tema é tão atual que o Banco de Portugal recomendou aos bancos para este ano não distribuírem dividendos. Merece aplauso. O sistema financeiro representa um referencial da confiança dos cidadãos e os bancos nacionais têm desempenhado excelentemente esse papel. Quando, por razões da mais diversa ordem, essa confiança se quebra, o desastre pode acontecer. No ano 2011 é avisado não distribuir dividendos e proceder ao aumento do capital dos nossos bancos.

O recebimento de dividendos representa uma natural expectativa dos acionistas, pelo que muitos não gostarão. É natural que as ações sofram ligeiramente. No entanto, a solidez das empresas e o país sairão reforçadas e o nosso futuro mais protegido.

Tinha razão um colega meu de universidade quando dizia ser preferível ficar vermelho um minuto do que amarelo a vida toda. E não precisou de PowerPoint nem de consultores.

Texto publicado na edição do Expresso de 5 de fevereiro de 2011