Paula Bobone diria que as boas maneiras recomendam a um plebeu não se dirigir com tanta familiaridade a um respeitável, conhecido e mediático Duque.
Somos de gerações diversas. Eu sou da geração universitária da facit manual. Nasci na vila que produz o melhor queijo da serra, Celorico da Beira, durante a Guerra Civil de Espanha. A miséria empurrou meus pais para África. Voltei à metrópole para estudar. Meus pais, como tantos portugueses daquela altura, preferiam educar os filhos à custa de muitos sacrifícios. Em compensação, não possuíam automóvel, no verão não iam para a praia e nem lhes passava pela cabeça usufruir dos pacotes turísticos. Tenho andado por aí. Faculdade no Quelhas e no Porto. Serviço militar na Marinha de Guerra. Funcionário público em Lourenço Marques. Cervejeiro no vale do Infulene. Açucareiro no vale do Incomáti. Banqueiro no ICM e no Malawi. Governador em exercício no Banco de Angola. Governante no Tesouro. Mumificado no Banco de Portugal. Universitário na UAL. Privatização na EDP. Londrino no BERD. Ibérico no MIBEL. Olho vivo na EDP. Croniqueiro nas horas livres.
O senhor Duque nasceu quando este plebeu, terminados três anos de serviço militar, regressou a Moçambique. A Guerra Colonial tinha começado. Pertence a uma geração mais nova, com melhor preparação do que a minha. A dos computadores, do power point, dos aerogestores, do primado da imagem, dos modelos, dos consultores.
A vida permitiu que nos encontrássemos no ISEG, onde recordei professores que me iniciaram nos mistérios da economia. O gosto pela escrita, tanto do Duque como do plebeu, temperado pelo humor apimentado, juntou-nos na coluna 'O Duque e o Plebeu'. Foi mais uma gratificante experiência da minha vida. Tivemos divergências, traduzidas na pimenta das crónicas, mas sempre as expressámos com abertura e respeito.
O país está em grande dificuldade, vive um período de turbulência política, com consequências que nem todos os responsáveis dos partidos da oposição ponderam devidamente. Estrangulados pela dívida e famintos de crédito, qualquer perturbação política gerada num ambiente em que o défice e a despesa pública estejam a diminuir e a economia a aguentar o impacto das medidas de austeridade, poderá atirar Portugal para uma grande perturbação. Quem escreve, seja Duque ou plebeu, especialmente com formação especial e funções de responsabilidade, tem a obrigação de, sem abdicar do seu estilo, contribuir para soluções e não para perturbações.
A coluna 'O Duque e o Plebeu' chega ao fim, num processo natural, gerado pelo cansaço que os croniqueiros provocam e também pela necessidade nacional de alargar as vozes opinativas. Foi um gosto ter colaborado com o Expresso. Devo-o ao Nicolau Santos. Nos últimos dois anos fi-lo em condições penosas. Uma das crónicas foi escrita na cama do hospital, dias depois de complexa intervenção cirúrgica. Representou um enorme desafio, quinzenalmente, tentar não ser esmagado pelo humor cáustico, pela inteligência viva e pela arte de escrever fluida de um Duque que, afinal, é também plebeu. Por isso, sempre o tratei simplesmente por João. E João continuará a ser. Morre a coluna, mas sobrevive a amizade.
Deixo uma palavra de agradecimento aos leitores que tiveram a paciência de me ler.
Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 19 de fevereiro de 2011