Para dar descanso ao atacado orçamento, às elevadas taxas de juro e ao perigoso FMI, resolvi deambular sobre um importante assunto ligado com as empresas cotadas.
Na gestão e profissões correlativas, quando há dificuldade em encontrar uma resposta satisfatória para algumas questões, argumenta-se com o mercado. Para uns, um imaculado deus que, conjugando poderes de adivinhação, baseados em divertidos cálculos, associada a convicções, com os desprezíveis interesses materiais humanos, dá palpites sobre cotações, taxas de juro e preços de determinados bens. Para outros, um pérfido diabo, pouco sério, especulador que trama países exemplares no comportamento, e fixa price targets em função de menos claros interesses. Merece ser insultado quando as previsões não são as que desejamos e aplaudido quando os seus dons de pitonisa vêm ao encontro dos nossos interesses. Trata-se da regularidade do comportamento humano.
Nas escolas de gestão, incute-se aos futuros gestores três princípios. A accountability - prestação de contas de todos os atos. A transparência - informar de forma tão clara e verdadeira que todos percebam. A independência, - coragem de sobrepor a reta opinião resultante de cristalinas análises, à manutenção do cliente ou preservação de lugares. Os supervisores procuram fórmulas que confiram alta probabilidade de exemplar comportamento dos agentes responsáveis pelo equilíbrio dos três princípios. O mais relacionado com as fraquezas humanas é a independência, sem ser legítimo concluir negativamente sobre o comportamento ético dos visados.
Com louváveis preocupações de encontrar saídas para o labirinto da independência, a Comissão Europeia colocou à discussão um documento ('green paper') sobre 'Política de auditoria. As lições da crise'. Dois aspetos merecem destaque.
A rotação. Para acautelar possíveis situações de dependência resultantes do arrastamento de funções, os membros independentes de alguns órgãos de supervisão não podem exercer as suas funções mais de dois mandatos. Esta medida não resulta de nenhuma evidência empírica do foro científico nem representa qualquer crítica à sua idoneidade. O Presidente da República também está limitado a dois mandatos. Não se descortinam razões para tratar de forma diferente a independência dos auditores da dos membros independentes dos órgãos de supervisão.
A dependência material. Em Portugal, a dependência dos auditores relativamente aos grandes grupos empresariais é óbvia. Por mais serralharia estatística que se faça, esse aspeto pode agravar a dependência, pela incidência que a perda desse cliente representa no seu nível de faturação nacional. Na vida, a independência de atitude joga mal com a dependência material.
No 'green paper', o que está em causa não é a defesa dos interesses dos auditores (têm muitos defensores), mas a dos restantes stakeholders. Independentemente das leis e recomendações das entidades de supervisão, os auditados que gerem as empresas devem acarinhar, praticar e até exceder as medidas que possam melhorar a autêntica independência dos auditores e dos membros dos órgãos de supervisão. Só sairão prestigiados.
Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 13 de novembro de 2010