Desempenhei funções de gestor de empresas do sector público durante anos. Em períodos particularmente difíceis do país. Senti-me acompanhado por gente com muita categoria. Refiro, a título de exemplo, Jardim Gonçalves, Santos Silva, Alípio Dias, Proença de Carvalho, Vítor Martins, Jacinto Nunes, Oliveira Pinto, António de Sousa, Rui Vilar, João Salgueiro, Silva Lopes, José Penedos.
Há dias, um diário trazia em título "Gestores públicos fogem ao tesouro". Trouxe-me à lembrança os piratas da minha infância. Barbudos, brinco à Cristiano Ronaldo, cicatrizes deixadas por ousadas abordagens, mapa numa mão, pá na outra e a inseparável catatua no ombro, na dura labuta da descoberta de um tesouro para o saque. Voltei a encontrá-los na vida adulta. Todos com os dois olhos e um mais refinado know how saqueador. A notícia não tratava de piratas. Referia-se a uma fuga ao tesouro por bem parecidos, mas incompreendidos, gestores devotados à causa pública. Num país que tanto necessita de ser gerido com profissionalismo, os gestores públicos não são bem tratados.
Na vida, tenho-me interrogado sobre o que levará dirigentes políticos, comunicação social e sociedade em geral a viverem tão assanhados contra os profissionais que gerem as empresas onde o Estado detém capital. Como não se entende as razões de se analisarem as questões relativas a essas empresas de forma diversa da utilizada quando estão em causa algumas poderosas privadas.
O ano de 2011 será de mudança. Muitos comportamentos, públicos e privados, terão de ser reformulados. Aproveite-se para se repensar, sem paixões, demagogia e fundamentalismos, a gestão e a supervisão das empresas do Estado. Uma coisa é a condenação dos abusos e de práticas desproporcionadas à dimensão e atividade da empresa. Outra, bem diversa, tem a ver com práticas que impedem, direta ou indiretamente, os gestores de aplicar regras basilares de gestão nas empresas do Estado. Sabe-se porquê. Razões políticas. No emprego. Na tranquilidade laboral. Nos preços sociais. Na paz com as autarquias. No cálculo e pagamento das indemnizações compensatórias. Nestas situações, em que os gestores são dependentes da política, e quantas vezes do entendimento que o ministro da tutela tem do que é a autonomia (e responsabilidade) de gestão, os agentes políticos têm o dever ético de dar a face e assumir as responsabilidades.
Espanta a passividade desses gestores, frequentemente agredidos na sua dignidade profissional e que, salvo raras exceções, tudo aguentam. Não fujam ao tesouro. Há muito que está vazio. Ajudem o acionista Estado, independentemente do partido no poder, onde há tanta gente sem experiência empresarial, a perceber que os gestores devem ser escolhidos exclusivamente pelo mérito. E tem de deixar gerir as empresas onde participa, designadamente as que competem no mercado, com as mesmas ferramentas que as privadas utilizam. Nas empresas, o Estado tem de privilegiar princípios despolitizados. Afastar agentes que se guiam por interesses ou conflitos pessoais. Acarinhar e segurar na área pública os que gerem com competência. Quando entender usá-las como instrumento da política, deve compensá-las. O que não pode é deixar os gestores públicos a fritar na praça pública.
Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 8 de janeiro de 2011