Fatigado de tanta crise, discussões, previsões, cenários e medidas, 2010 decidiu pôr fim à viagem pelo universo. Foi um ano penoso. Défices. Endividamentos. Economia. Desemprego. Austeridade. Protestos. A comunicação social deu destaque, talvez excessivo, aos aspetos mais negativos. Na noite de consoada não apetecerão farturas, mas não devemos abdicar dos sonhos.
Nesta semana afogamo-nos na enxurrada dos frios votos eletrónicos de Natal Feliz e Bom Ano. A sociedade da produtividade, da competitividade, do PIB, dos índices bolsistas, das taxas de juro, dos interesses e do mercado vai arrefecendo as almas. O Natal 2010 representa uma pausa para, antes do aumento do IVA e da fiscoaspiração dos rendimentos, se comprar o que se precisa e o que é dispensável. Em 2011 logo se verá, mas há gente a pensar que com alguma carpintaria financeira ainda se consegue pregar tábua aqui e, aproveitando o mesmo torto prego, se aguentará outra ali. Mas cuidado com as marteladas nos dedos.
Sem pessimismo, mas com realismo, a população tem de perceber que vamos entrar numa envolvente diferente. Tem de ser de esperança, mas as mensagens da recuperação sustentada e de confiança devem ser efetuadas com humildade e sem um intuito de marketing imediatista. Vivemos em democracia. Existem regras de funcionamento que foram respeitadas, legitimando a ação do Governo e o duro orçamento aprovado. Democraticamente, escolheu-se um caminho. Agora há que o executar com rigor, sem prejuízo de ajustamentos pontuais que não o desvirtue. Na sua história, o país já ultrapassou tantas crises, que vai vencer esta. Saber planear é fundamental. Comunicar com verdade é importante. Executar bem é a chave do problema. O importante é fazer, comunicar os progressos e assumir, explicar e corrigir os insucessos. Na situação atual, governar e fazer oposição não são tarefas para amadores, para fracos e para os que têm o poder no pensamento ou a demagogia nos genes.
José Sócrates é um lutador, é determinado, tem experiência e com uma invulgar resistência anímica. Poderá não ter sucesso, é humano, mas os portugueses não duvidam que se empenhará até ao limite na inversão de complexas situações que nos afligem. Não será necessário esperar pelo fim do mandato para fazer o julgamento. Não estando em causa aguentar o Governo, mas sim salvar o país, o ano de 2011 será decisivo. No final do primeiro trimestre, os portugueses já terão uma primeira medida, ainda que vaga, sobre a tendência de sucesso ou insucesso do complexo puzzle. Luta contra o défice. Gestão do endividamento. Crescimento económico. Não agravamento da situação social.
Que o ano de 2011 nos dê a lucidez para não passarmos o tempo a discutir o passado, a maldizer o presente, a não acreditar no futuro, a procurar culpados, a vender ilusões, a realçar o negativo e a ressuscitar assuntos que, democraticamente, já têm definido um caminho. Nesta fase, aos partidos cabe fazer uma rigorosa supervisão (função tão importante e tão desclassificada em Portugal) da execução dos instrumentos colocados ao dispor do Governo, assim como dos resultados alcançados. Pensem no país. Deixem o Governo governar de acordo com as regras definidas. O ano de 2011 tem de ser mais de execução do que de discussão.
Texto publicado na edição do Expresso de 23 de dezembro de 2010