Em 48 anos de democracia, ainda nenhum Presidente da República tinha subido à mesa da Assembleia da República para fazer o discurso do 25 de Abril com a Europa chocada por uma potência nuclear ter avançado, por opção, para uma guerra de conquista territorial, como as que deram origem a dois conflitos mundiais. Marcelo Rebelo de Sousa lê bem os tempos políticos. Percebeu que, com a invasão da Ucrânia pela Rússia e a nova geopolítica, a opinião pública poderia estar mais recetiva às necessidades de investimento em Defesa. Constatou que, sem paz, "a insegurança atingirá também as nossas vidas".
Ao fazer o primeiro discurso presidencial do 25 de Abril exclusivamente focado nas Forças Armadas - mas não nos seus problemas concretos, porque não os mencionou - Marcelo preparou terreno para uma discussão que vai acender-se nos próximos meses, ao pedir "mais meios imprescindíveis" para os militares, porque "não há poder político que vingue sobre a vontade popular". Ou seja, têm de ser os portugueses a exigir que os políticos invistam mais nas Forças Armadas ou estes dificilmente o farão. Acabou por ser um discurso cuidadoso, talvez demasiado cauteloso, a pisar gelo fino para poder manter-se no quadro de um "consenso nacional continuado e efetivo", mas que será impossível de manter no dia em que as decisões forem (ou não) tomadas.
António Costa, cujo novo orçamento deixou tudo na mesma na Defesa, respondeu poucas horas depois, a dizer que o Governo não fará mais do que aquilo que já estava programado (muito antes de haver perspetivas de uma guerra na Europa), independentemente da degradação dos meios e da operacionalidade dos três ramos militares. Aquilo que o primeiro-ministro disse não deixa antever grandes notícias para as Forças Armadas nem responde ao desafio lançado pelo Presidente (mas já lá vamos). O próximo orçamento terá mais pistas sobre isso do que qualquer manifestação de boas intenções.