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Opinião

Anda tudo a mamar

Os bebés deviam ter dois tipos de consulta: uma com o pediatra, outra com a ministra do Trabalho. Uma para zelar pela saúde do bebé, outra para evitar que a saúde do bebé prejudique a saúde das empresas

Quem costuma reputar de populista a ideia segundo a qual, e cito, “anda tudo a mamar”, teve esta semana um azedo revés. Essa opinião, que é habitualmente expendida em certos snack-bares, foi no entanto subscrita pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, num ambiente em que, de acordo com os jornais, não era possível avistar uma única sandes de torresmo. A perspectiva subiu na vida, tendo migrado do snack-bar para o ministério, e tomou a seguinte forma: “Infelizmente, também temos conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido, que é duas horas por dia que o empregador paga, até andarem na escola primária.” O primeiro aspecto a reter é de ordem, digamos, epistemológica. Quando a ministra revela ter “conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas (…) até andarem na escola primária”, dá um contributo para a ciência que não foi devidamente valorizado. Ela mostra que é possível conhecer um facto cuja descrição começa com a expressão “parece que”. Noutros tempos, isso seria estranho, e a formulação “tenho conhecimento de que parece que” seria escarnecida por ser familiar de outras tais como “temos provas irrefutáveis de que se calhar”, “tudo indica com rigorosa precisão que é mais ou menos isto”, e “não há dúvida de que talvez”. Mas hoje ficamos satisfeitos por saber, de ciência certa, que parece que. E o que parece é que há mulheres, que a ministra diz serem “muitas”, que, para manterem a redução de horário, amamentam os filhos até eles andarem na primária. Pessoalmente, não conheço muitas mulheres que amamentem até aos dois anos de idade. Que amamentem até aos três, suponho que sejam menos ainda. Até aos quatro talvez haja algumas, mas nunca soube de um único caso. O que significa que também desconheço práticas de amamentação até aos cinco anos de idade. Portanto, fico surpreendido que haja “muitas” mulheres que amamentam até aos seis, que é a idade em que as crianças entram na primária. Não sabemos exactamente quantas serão essas muitas, mas são as suficientes para que a ministra as refira. Por isso, tenho a certeza de que parece que são várias.