Como já aconteceu noutras ocasiões, Viktor Órban resolveu fazer de conta que os homossexuais representam uma ameaça moral à Hungria, para tentar reunir o bom povo contra os pervertidos e ganhar força a caminho das próximas eleições legislativas. Correu-lhe mal nas ruas. Segundo todos os relatos, o Gay Pride de Budapeste do fim de semana passado foi o maior de sempre. E, muito provavelmente, o menos ostensivamente gay de todos. Veremos, adiante, como corre nas sondagens e nas eleições.
Órban tem usado as Lésbicas, Homossexuais, Transgénero e por aí fora como um certo tipo de líderes políticos costuma usar minorias: grupos de ódio para reunir apoio popular. A proibição do Gay Pride deste ano não foi um acto isolado, foi uma decisão alinhada com uma escolha política recorrente. Mais do que uma legislação de ataque às pessoas LGBT+, que tem existido pontualmente, o Fidesz tem usado gays e companhia para mobilizar a sua base de apoio contra a ideia de sociedade liberal. É aí que o seu tipo de conservadorismo reaccionário se encontra com Putin. De um lado, a Hungria tradicional, com valores familiares e uma ordem antiga. Do outro, a Hungria moderna, europeia, sem religião e com comportamentos perversos. De um lado, eles; do outro, nós.
As ruas de Budapeste, este fim de semana, encheram-se de gente que recusou essa distinção. Se tiver resultado, será uma enorme vitória de uma tradição liberal e europeia de trinta e cinco anos de pós-comunismo e vinte anos de adesão à União Europeia. E isso, nem Órban nem outros candidatos a líderes iliberais e autoritários esquecem.
O ataque de Órban às pessoas LGBT+ pode ser visto como isso mesmo, um ataque à diferença sexual. E é. Desde logo na perspectiva dos próprios, que são as vítimas das políticas do governo. Mas pode e deve ser percebido como mais do que isso. É uma estratégia característica de certo tipo de regimes: arranjar um odioso estranho (em quantos mais sentidos, melhor) para mobilizar o eleitorado. É assim que se faz. Arranja-se um grupo social, atribui-se-lhe a responsabilidade pelo maior número de males possível e promove-se a perseguição, em nome de valores. Enquanto se distrai o povo com um inimigo, agrega-se a multidão e representa-se a maioria. Se resulta, num instante se passa de uma sociedade democrática e com regras para um regime de turba excitada que segue atrás de um líder tribal. Ontem, os bárbaros eram os povos vizinhos que ameaçavam a paz, hoje são os estranhos que ameaçam a Ordem. O princípio é o mesmo. Se são lésbicas, gays, transsexuais, judeus, muçulmanos, imigrantes ou outra coisa qualquer, isso tanto lhes faz. O importante é serem eles e nós. Nisso, todos os iliberais são iguais.
Péter Magyar, o líder da oposição, arranjou umas férias para não poder aparecer no meio do Pride. Percebe-se a cobardia. Magyar não quis que a estratégia de Órban resultasse: não quis ser acantonado na representação de uma minoria e deixar a maioria para o partido do governo. Não quis que a oposição fossem os gays, e o governo fossem os outros todos, como queria o regime. Com a escolha ficamos sem saber se é mais tático ou cobarde, mais pragmático ou disponível para representar quem Órban representa. Certo é que perdeu a oportunidade de representar quem esteve presente.
Além de proibir a Marcha, Órban tinha ameaçado com reconhecimento facial para futura acção penal quem desfilasse. Magyar, lá está, não esteve. Mas milhares estiveram. Se foram cem ou duzentos mil, pouco importa. Foram muito mais do que o dobro dos que tinham ido no anterior. E isso tem um significado político. Veremos se tem um impacto eleitoral.