No Paris Air Show 2025, entre os protótipos de 2400 expositores do setor de defesa e aeroespacial e os sorrisos diplomáticos dos executivos, pairava uma tensão no ar. Airbus e Dassault, dois titãs desta indústria europeia, voltaram a cruzar espadas – desta vez, sobre o Future Combat Air System (FCAS), o ambicioso programa trinacional que promete devolver à Europa a sua autonomia estratégica nos céus.
O FCAS não é apenas um caça. É um ecossistema de operação letal: aeronaves tripuladas de 6ª geração, grupos de drones, sensores distribuídos e uma “nuvem de combate” digital. Um sonho tecnológico que, ironicamente, tem sido travado por divergências industriais e uma Europa que ainda hesita no desenvolvimento e integração em projetos de grande dimensão. Airbus e Dassault continuam a divergir sobre a partilha de responsabilidades na fase 2 do programa, que envolve o desenvolvimento de demonstradores críticos, incluindo um protótipo de um motor adaptativo e uma plataforma de testes para sensores.
O que está realmente em jogo é a alma da defesa europeia. A guerra na Ucrânia reavivou o debate sobre a dependência em relação aos EUA e ao F-35. A Alemanha, por exemplo, já encomendou mais unidades do caça americano, mesmo sendo um dos pilares do FCAS. A Itália, por sua vez, aposta no Global Combat Air Programme (GCAP), o rival britânico-japonês-italiano que avança com mais pragmatismo e menos drama. Este projeto, antes chamado Tempest, respira modernidade: inteligência artificial embarcada, arquitetura aberta para atualizações modulares e integração fluida com drones autónomos. Liderado pela BAE Systems, Leonardo e Mitsubishi Heavy Industries, promete entregar um caça de 6ª geração até 2035, cinco anos antes do FCAS.
Outros parceiros europeus e também do Médio Oriente observam de perto e com eventuais manifestações de interesse em participar. Se o FCAS tropeça em disputas internas, o GCAP tem gestão mais coesa e financiamento robusto. Vozes influentes, como executivos da Força Aérea Italiana e da Airbus, sugerem que uma fusão entre os dois programas poderá ser “inevitável”.
E Portugal? Ainda fora dos dois programas, mas não fora do jogo. A Força Aérea Portuguesa opera F-16s que, mais cedo ou mais tarde, terão de ser substituídos – e isso começa a ganhar forma. Portugal estuda a aquisição do F-35 Lightning II, o caça furtivo de 5ª geração da Lockheed Martin. Embora sem contrato assinado, o processo está em fase de análise técnica e política, com workshops entre as partes. Foi já assinado um memorando de entendimento com a AED (Associação da Indústria Aeroespacial Portuguesa), que define uma base de cooperação tecnologica no âmbito do F-35, e preparam-se cooperações com universidades.
A escolha do F-35 parece lógica: trata-se de uma plataforma madura, já integrada na NATO, com interoperabilidade comprovada e pronta para entrega antes de 2035. Mas a decisão final depende de fatores orçamentais, de compromissos políticos e da evolução no contexto europeu. A incerteza permanece – e, com ela, a oportunidade para pensar mais longe. Portugal como parceiro tecnológico ou observador nos programas FCAS ou GCAP é uma possibilidade estratégica. Isso permitiria acesso a tecnologias emergentes – inteligência artificial, drones colaborativos, sensores de nova geração – e prepararia o terreno para o pós-F-35, a partir de 2050.
Para isso, será essencial uma estratégia nacional em duas frentes. No curto prazo, preparar infraestruturas e pessoal para a eventual chegada dos F-35. No médio prazo, mobilizar o ecossistema nacional – CEiiA, OGMA, Critical, Universidades… – para integrar cadeias de valor europeias e desenvolver competências decisivas. E, no longo prazo, consolidar uma base industrial de defesa sustentável, capaz de contribuir para o desenvolvimento de um caça europeu unificado. Mais ambicioso ainda seria posicionar-se como mediador numa futura fusão entre os dois programas, garantindo acesso a tecnologia de ponta e reforçando a sua voz na construção da autonomia estratégica europeia.
No fundo, o FCAS e o GCAP são mais do que projetos militares. São espelhos das contradições europeias: ambição sem coesão, inovação sem consenso. A pergunta que se impõe não é se a Europa consegue construir um caça de 6ª geração. É se consegue, finalmente, voar unida – e se Portugal terá coragem de embarcar.