Na semana passada, nos dias 4 e 6 de junho, duas notícias revelaram o desenrolar de duas situações de extrema violência levadas a cabo por homens em relação às suas ex-namoradas. Em Vila Nova de Famalicão, um homem foi detido por incendiar a casa da ex-namorada; e em Matosinhos, um homem esperou que a ex-namorada saísse do trabalho e atropelou-a repetidamente, assassinando-a. Estes dois casos em que o ex-namorado é o agressor e, ou, homicida não são de todo isolados no panorama nacional ou internacional.
Há uma ideia pré-concebida de que os desconhecidos que encontramos no nosso dia-a-dia são os que apresentam maior perigo para as pessoas. No entanto, os dados contrariam essa crença popular: o relatório da APAV de 2023 constatou que 60% dos homicidas tinham alguma relação com a vítima — parceiros, ex-parceiros, namorados, ex-namorados ou familiares. Entre as 82 pessoas que pediram ajuda, 33 eram homens e 49 eram mulheres. Para além dos casos apoiados pela APAV, realço o Relatório Anual de Segurança Interna que concluiu que em 2024 foram registadas mais de 30 mil denúncias de violência doméstica, sendo que 26 mil casos o agressor era marido ou companheiro da vítima. Em 23.974 casos, as vítimas eram mulheres. Assim, só se pode concluir que a pessoa mais perigosa na vida de uma mulher mais depressa é o ex-namorado ou parceiro do que um desconhecido.
Tendo em conta estes dados, decidi pesquisar os casos de violência nos últimos dois anos em que o agressor ou homicida era ex-namorado da vítima. Bastou-me pesquisar “ex-namorado” para encontrar dezenas de notícias, em que o ex-namorado era sempre o agressor e, ou, homicida (à exceção de um caso, em que a homicida foi uma mulher, que assassinou a ex-namorada do namorado). Ao pesquisar “ex-namorada”, a mulher era sempre a vítima. Estas foram os casos noticiados em 2024 pela SIC-Notícias, sendo que muitos mais houve, com certeza, mas deles não há conhecimento público:
- Homem detido por incendiar a casa da ex-namorada, numa freguesia de Vila Nova de Famalicão. 4 de junho de 2025. O suspeito entrou na casa da vítima, sua ex-parceira, sem autorização, dias depois de terminarem o relacionamento. Graças ao auxílio dos vizinhos, a residência sofreu apenas danos menores. Quanto à saúde mental da vítima, nem consigo imaginar.
- João Oliveira esperou no carro pela sua ex-namorada à saída do seu local de trabalho em Matosinhos. Quando ela começou a caminhar no passeio, João acelerou fortemente, subiu ao passeio e atropelou a vítima sete vezes, com avanços e recuos, com especial incidência na zona na cabeça. 6 de junho de 2025. É importante referir que este mesmo homem já havia matado outra ex-namorada em 2011 com 23 facadas. Na altura, foi condenado a 16 anos de prisão, mas saiu em liberdade condicional. A reincidência em casos de violência doméstica e violação sexual é recorrente, mas a justiça continua a abrir caminho à repetição de situações atrozes. Relembro o que aconteceu em janeiro deste ano, no caso de julgamento de um médico que abusou, comprovadamente, duas pacientes, em que os juízes entenderam que, tratando-se de, cito, “casos isolados”, o arguido poderia ser reintegrado na sociedade sem necessidade de prisão efetiva.
- Jair Pereira, de 54 anos, confessou que matou a ex-namorada. 28 de maio de 2025. Conceição Figueiredo, de 69 anos, desapareceu depois de ter sido vista numa danceteria em companhia de Jair Pereira, de 54 anos, o seu ex-companheiro.
- Jovem de 17 anos detido em Peniche, infligiu agressões físicas e psicológicas à vítima, sua ex-namorada, de 18 anos. 13 de maio de 2025. O abuso psicológico incluiu ameaças relacionadas com a divulgação de vídeos e fotografias de caráter íntimo. Ainda, é de realçar que, em 2024 registou-se um aumento alarmante da violência contra jovens com menos de 16 anos, junto do seio familiar: 1 em cada 3 vítimas era menor.
- Homem acusado de ter sido contratado juntamente com outro indivíduo para queimar a cabeça de uma mulher na Suíça, a mando do ex-namorado. 11 de abril de 2025. O tribunal deu esta situação como provada, sendo que este plano atroz foi elaborado pelo ex-namorada que não estava conformado com o fim da relação. Então, contratou dois indivíduos para atear fogo à mulher, por 5 mil euros.
- Jovem de 27 anos, assediou uma estudante durante cerca de dois anos, tendo-a morta com uma facada na jugular na rua, em plena luz do dia. No mesmo dia, foi encontrado o corpo de outra estudante, de 22 anos, dada como desaparecida em Roma a 25 de março. O assassino foi o seu ex-parceiro, de 23 anos. 8 de abril de 2025. Após assassinar a ex-parceira à facada, ocultou o cadáver e continuou a publicar histórias no perfil da ex-parceira, com o intuito de fazer crer que ela ainda estaria viva. Entre o início do ano até 6 de abril de 2025, contaram-se 11 femicídios registados em Itália.
- Homem persegue ex-namorada, após muito tempo do término da relação. 29 de dezembro de 2024. Ele aparecia em locais, mesmo a muitos quilómetros de casa, de surpresa. Já enquanto namoravam, o homem era controlador e agressivo. Após o fim do relacionamento, a vítima reparou como o seu telemóvel apresentava um consumo excessivo de bateria. Aquando a visita a uma loja para reparar o problema, descobriram que havia uma app escondida, comercializada para controlo parental, mas usada pelo ex-namorado para saber sempre onde Melody se encontrava.
- No dia 13 de novembro de 2024, em Amarante, um homem de 29 anos terá, alegadamente, tentado assassinar a ex-namorada com ácido. "A vítima foi atingida principalmente no rosto, sendo que, dada a gravidade dos ferimentos, foi transportada ao hospital onde ainda se encontra internada, em estado grave", afirmou a polícia de investigação criminal. Após um primeiro interrogatório judicial, o detido ficou em prisão preventiva. No entanto, colocou-se em fuga, estando, até à data desta notícia — 23 de novembro de 2024 — em paradeiro desconhecido.
- No dia 15 de junho de 2023, um homem esperou que a ex-namorada de 26 anos saísse do trabalho para, quando esta se encontrava dentro do carro, lhe dar dois golpes no pescoço com uma navalha. A mulher não morreu no local, mas acabou por falecer mais tarde devido aos ferimentos. No dia 5 de maio de 2023 foi condenado a 8 anos e 6 meses de prisão — notícia do dia 6 de maio de 2024. A juíza afirmou que a pena reduzida se devia ao facto de o falecimento ter acontecido devido às complicações do ferimento e não logo após o esfaqueamento. Sejamos francos, quem dá umas navalhadas no pescoço de alguém não faz com intenção de só ferir a pessoa, faz com a intenção de tirar a vida. É de conhecimento geral que fazer golpes no pescoço é altamente perigoso, havendo a carótida a passar nessa zona. Isto não é justiça, é dar uma abébia a homicidas: ele tirou possivelmente 60 anos de vida à ex-namorada, enquanto a justiça suspendeu-lhe apenas 8 anos de vida e estipulou uma indemnização de 5000 euros à família da vítima. Relembro que para além da tentativa de homicídio, houve perseguição, o que é um crime por si só.
- Óscar Benítez, que se encontrava sem clube há um ano, estava preso preventivamente desde o passado mês de janeiro, devido ao suicídio da ex-namorada e por ter violado a ordem de restrição dias antes do sucedido. 10 de abril de 2024.Tendo sido previamente culpado dos crimes de coação, ameaças e uso ilegal de arma de fogo contra a família da ex-namorada, já havia sido condenado a seis meses de pena suspensa, para além da ordem de restrição que o impedia de se aproximar da ex-namorada. Mais uma vez, a justiça não fez justiça, apenas adiou uma tragédia.
Todos estes casos seguem o mesmo nível de misoginia sistémica, tanto no dia-a-dia das mulheres como na Justiça portuguesa. O conceito misógino de propriedade, no qual os homens sentem que são donos das mulheres, cria um ambiente fértil para tragédias. Este conceito, tomado como sentimento de poder pelos homens, é patrocinado pela masculinidade hegemónica, que lhes ensina que as mulheres a eles lhes pertencem, já que são eles os dominantes na relação. Qual é o resultado? Homens a perseguir, importunar e até assassinar ex-namoradas, porque se sentem no direito de interferir literalmente com a vida delas. Além disso, é importante dizer que nenhuma vítima se pôs a jeito: a culpa nunca é da vítima, mas sempre do agressor.
Se o mero facto de um homem se sentir rejeitado por uma ex-namorada o leva a queimar-lhe a casa, a cara, a esfaqueá-la, a persegui-la e até a matá-la, como é que a sociedade ainda tem o desplante de considerar que as mulheres é que são emocionalmente instáveis? Se calhar, está na altura de analisar estas ideias pré-concebidas e de garantir uma Justiça que combata a misoginia sistémica.
Deixo, ainda, uma nota para o/a leitor/a
Se é vítima de violência ou se apercebe de que há alguém perto de ti que é, aconselhe-se junto da APAV. Não importa o seu género. A violência doméstica, no namoro ou familiar não tem mais ou menos importância conforme o género da vítima. Se é homem e é vítima, a sua realidade é tão válida e importante quanto a realidade de uma muher violentada. Contactos da APAV:
- chamada gratuíta para o número 116 006, das 8:oo às 23:00
- 800 219 090 Internet Linha Segura
- E ainda neste link.