Opinião

Para que serve a Direção Executiva do SNS: um “ministério” dentro do Ministério

O que é realmente preciso entender é qual a mais-valia desta estrutura bicéfala e qual a sua verdadeira utilidade para quem possui a responsabilidade última do SNS e do sistema de Saúde, ou seja, quem ocupa o cargo de Ministro da Saúde

Qual a relevância das funções atribuídas à Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para o sucesso das políticas de saúde?

Na sequência do nosso artigo anterior, sobre o papel das Unidades Locais de Saúde (ULS), sentimos a necessidade de esclarecer este pequeno “grande” detalhe, na medida em que se trata de uma estrutura muito recente, criada e formalizada apenas em 2022, com a qual não estamos ainda muito familiarizados e sobre a qual não existe ainda qualquer avaliação.

Comecemos por compreender o SNS como um conjunto supostamente organizado e articulado de estabelecimentos e serviços públicos, dirigido pelo Ministério da Saúde, que inclui os agrupamentos de centros de saúde (ACES), os hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e as ULS, integrados no setor empresarial do Estado ou no setor público administrativo, o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), e a SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E., na vertente dos serviços partilhados, sobretudo a parte das compras (também inclui os sistemas de informação da saúde, mas notoriamente com menos recursos).

Até à criação da Direção Executiva do SNS, basicamente, os hospitais negociavam e celebravam os seus contratos programa nas Administrações Regionais de Saúde (ARS), com o apoio técnico especializado da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), responsável pela gestão dos orçamentos do Ministério da Saúde e pelos recursos humanos da saúde. Os ACES, apesar da promessa, nunca tiveram autonomia financeira e sempre dependeram das ARS numa lógica funcional, frequentemente prejudicial à execução das suas actividades.

A Direção Executiva do SNS foi estabelecida através da aprovação do novo Estatuto do SNS, em 2022, com funções de coordenação da resposta assistencial das unidades de saúde do SNS, bem como daquelas que integram a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP), com o objectivo de assegurar o seu funcionamento em rede.

Ou seja, tudo quanto sejam entidades prestadoras de cuidados de saúde - cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares, cuidados continuados integrados - ficam agora sobre a alçada da Direção Executiva do SNS. Esta alteração está associada à reorganização do SNS em ULS que agrupam, na mesma pessoa jurídica, os ACES, onde se incluem a saúde pública e os cuidados na comunidade, e os hospitais, com vista a uma melhor integração e continuidade dos cuidados, e esperando melhor capacidade de optimização de uso de recursos, mas que tem, naturalmente, como consequência o esvaziamento de funções das ARS, e não só, como veremos.

A Direção Executiva do SNS é um instituto público de regime especial, integrado na administração indireta do Estado, com personalidade jurídica própria, e autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que funciona sob a superintendência e a tutela do Ministro da Saúde. Não obstante, a sua missão principal é coordenar a resposta assistencial do SNS, assegurando o seu funcionamento em rede, a melhoria contínua do acesso a cuidados de saúde, a participação dos utentes e o alinhamento da governação clínica e de saúde.

Da comprida lista das suas competências próprias, para além das que resultam da gestão da prestação das redes de cuidados de saúde primários, hospitalares, continuados e paliativos, destacam-se: a criação e revisão das Redes de Referenciação Hospitalar, a melhoria contínua do acesso ao SNS (que inclui a gestão das listas de espera a consultas e cirurgias), a proposta de nomeação dos membros dos órgãos de gestão de basicamente todas as unidades hospitalares, a celebração de contratos-programa, e ainda a monitorização e gestão do desempenho e resposta do SNS.

Para além da superintendência e tutela, realmente não ficam a sobrar grandes competências para serem exercidas ao nível do cargo de ministro da saúde, configurando-se a Direção Executiva do SNS, como um verdadeiro “ministério” do SNS, dentro do Ministério da Saúde.

Aqui chegados importa lembrar que o Ministro da Saúde tutela todo o sistema de saúde de Portugal continental, e não deve ser apenas o ministro do SNS, como foi sublinhado por diversas críticas do passado. Contudo, é essencial ter presente que o sistema de saúde, abrange o setores público, privado e social, mas estes dois últimos possuem autonomia, sendo que, para além das funções de regulação na área farmacêutica, da emissão normas de orientação clínica, e da regular fiscalização da qualidade dos serviços prestados, comuns a todos os setores, e de situações decorrentes de emergências de saúde pública, não subsistem obrigações de maior preponderância que devam assumidas pelo Ministro da saúde com reflexos a nível operacional.

Resta assim ao cargo de Ministro da saúde apenas tutelar os organismos que não possuem competências ao nível da prestação de cuidados direta à população, como é o caso da Direção-Geral da Saúde, da Inspeção das Atividades em Saúde, do INFARMED, ou da Administração Central do Sistema de Saúde, cujas atribuições possuem um impacto direto no funcionamento dos hospitais e centros de saúde. Neste sentido, perguntamos, como o poderá fazer com eficiência, se desconhecer, e não acompanhar de perto, toda a problemática inerente ao funcionamento do SNS?

A Direção Executiva do SNS corresponde assim, em linguagem de gestão, à velha ideia da grande holding de hospitais, agora incrementada, incluindo também os centros de saúde, que surgiu pela primeira vez no mandato do Ministro Luís Filipe Pereira, em 2004, e que terá sido morta à nascença.

Efectivamente, contra a ideia de que a proximidade das ARS, cujos presidentes eram intitulados pelo Ministro Correia de Campos de “Ministros das Regiões”, era uma preciosa mais-valia, impôs-se, ao longo do tempo, uma realidade de ARS algo anacrónicas, sobretudo depois da criação dos ACES, e incapazes de contribuir activamente para a modernização do SNS.

Por outro lado, os conselhos de administração das ULS possuem uma autonomia e responsabilidade de que não podem abdicar.

Então, para quê termos conselhos de administração de ULS que carecem das orientações de uma direção executiva que depois é tutelada pelo Ministro? Compreende-se a necessidade de emitir orientações de modo centralizado, designadamente, ao nível da organização dos serviços e da contratação de médicos, a fim de assegurar a adequada cobertura nacional da prestação de cuidados, como tem acontecido por carência de recursos humanos nos serviços de obstetrícia e durante os períodos de férias. Mas os Ministros de Saúde sempre intervieram quando entenderam necessário, sem precisar de uma Direção Executiva.

Para que servem, afinal, os gestores públicos nomeados para os conselhos de administração dos hospitais a quem cabe, entre outras competências, a execução dos planos de atividades anuais e plurianuais, dos respetivos orçamentos, bem como dos demais instrumentos de gestão previsional legalmente previstos? Se as ULS são pessoas coletivas de direito público de natureza empresarial, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, porque são tratadas como sendo desprovidas de autonomia de gestão? É um contra-senso. Se o problema é a má aplicação dos métodos de gestão pelas administrações dos hospitais, então aposte-se na sua formação e no recrutamento dos mais competentes.

O que é realmente preciso entender é qual a mais-valia desta estrutura bicéfala e qual a sua verdadeira utilidade para quem possui a responsabilidade última do SNS e do sistema de Saúde, ou seja, quem ocupa o cargo de Ministro da Saúde.

Será que este formato serve bem ao Ministro da Saúde? Será que o ajuda a implementar a sua estratégia para a saúde em Portugal? Talvez ajude, mas pouco, como diria o sapo ao escorpião.