Escrevo antes de saber que decisão tomará o senhor Presidente da República para resolver a crise política. Tanto melhor. Quem dera que esta fosse apenas uma crise política.
As crises políticas resolvem-se. Com novas eleições, ou novas lideranças, ou ambas as coisas. Mas as crises de regime não têm respostas simples, e esta crise tem elementos indisfarçáveis de crise de regime. Em qualquer das suas versões. Se houve corrupção ao mais alto nível executivo — enquanto escrevo, as últimas notícias são de que teriam sido encontrados mais de 75 mil euros em notas escondidas em livros e caixas de vinho na sala de trabalho do chefe de gabinete do primeiro-ministro —, é a autoridade do Governo que é posta em causa. Se temos um poder judicial que força a demissão do primeiro-ministro por um parágrafo num comunicado de imprensa e que dá informações a conta-gotas a jornalistas, é toda a natureza da relação entre poderes (e entre estes e o povo soberano) que está em causa. Se é o partido que ainda há pouco tempo obteve uma maioria absoluta a ser cúmplice ou conivente com este estado de coisas, crise de regime. Se são partidos oportunistas a tirarem partido destas situações para minarem a democracia por dentro — crise de regime.