O Decreto-Lei n.º 102/2023, de 7 de novembro, determina a reestruturação das entidades públicas empresariais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), extinguindo os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) e adotando-se o modelo de organização e funcionamento em unidades locais de saúde (ULS), em vigor a partir de 1 de janeiro de 2024. Ora daqui resultam os seguintes potenciais problemas:
1- Sendo a competência para nomear os membros dos Conselhos de Administração das ULS uma competência do Conselho de Ministros, que foi delegada (Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2023) na Direção-Executiva do SNS, “caindo” o Conselho de Ministros cairá, naturalmente, todas as competências que este delegou. Ficaremos, a partir de 1 de janeiro de 2024, com uns “monstros” administrativos (as ULS), sem liderança;
2- As ULS pressupõem um novo modelo de financiamento, previsto na proposta de orçamento de Estado para 2024. Sem esse orçamento aprovado, não terão financiamento para funcionar, nem mesmo com sistema de duodécimos;
3- O Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro, concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da saúde. Todo o diploma tem subjacente conceitos/entidades que serão extintas já em janeiro, como os ACES e as Administrações Regionais de Saúde. E tem vindo sempre a ser assumido que essa transferência de competências não aconteceria nos Municípios em que existissem ULS (conforme declarações da Presidente da Associação Nacional de Municípios à Lusa a 20 de setembro deste ano: “Está previsto na lei que nos casos em que haja ULS não há transferência de competências e agora, havendo o território coberto por ULS, tem de haver essa definição [sobre] de que forma é que se operam essas transferências de competência” e ainda “o projeto de diploma não é também suficientemente claro e explícito no que se refere à extinção das Administrações Regionais de Saúde”). Portanto, com o alargamento do modelo das ULS a todo o território continental, parece haver enormes dúvidas/sobreposições com o processo de descentralização de competências.
O Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro, aprova o regime jurídico de dedicação plena dos médicos e aprova o novo regime jurídico das Unidades de Saúde Familiar. Ambos foram definidos unilateralmente pelo Governo e não obtiveram a concordância dos representantes dos médicos. No entanto, as negociações foram retomadas e decorrem (decorriam?), estando em cima da mesa questões (entre outras) que alterariam algumas cláusulas do diploma em apreço. As negociações foram, entretanto, suspensas, sem data prevista (e, eventualmente, sem interlocutor) para serem retomadas. Mas os prazos legais estão a correr e os médicos dispõem de 60 dias para decidirem se aceitam ou não estas novas regras, com consequências drásticas num ou noutro caso.
“Encaixado à força” no diploma que cria as ULS, está, no seu artigo 17º, uma alteração à recém-criada Direção-Executiva do SNS, estabelecendo um regime excecional de remuneração dos seus dirigentes intermédios, que permite que um diretor de departamento ou mesmo apenas de serviço, ganhe mais que um qualquer diretor-geral/presidente de um instituto público, sem responsabilidades que sejam, sequer, comparáveis, criando assim uma enorme injustiça salarial dentro do SNS.
Finalmente, ficam ainda os Serviços de Urgência a funcionar de forma deficitária, com falhas graves, sem rede definida ou sequer articulada, representando um enorme retrocesso no acesso a cuidados de urgência/emergência, que contraria todo o percurso e enorme esforço realizado por muitos nestes últimos 20 anos.
Seria bom para todos, e até justo, que estes imbróglios não ficassem por resolver…