Opinião

Os Jackass da direita: ou de como transformar provas de vida em certidões de óbito 

O que a direita está a fazer, não aproveitando as opções seguras, como uma grande aliança eleitoral de tipo AD - Aliança Democrática, é como sair de "bina" Bica abaixo e cair de boca num beco qualquer. A adrenalina é boa, mas o estrago é grande. Olhando a história recente, talvez seja mais prudente dar Passos seguros, de preferência longe do Rio, para não haver afogamentos

Jackass é o nome de uma série muito popular da MTV (2000-2007), que deu origem a uma série de filmes e vídeojogos. O enredo é fácil de explicar: um grupo de amigos – duplos e amantes de desportos radicais – desafiam-se uns aos outros, sujeitando-se às maiores loucuras, colocando a sua integridade física e a própria vida em risco. Podia ser a história da direita portuguesa: irreflexão e imaturidade em abundância de onde a inteligência e a sensatez parecem ter desaparecido.

Ora, vem isto a propósito de algo que corre junto de certas hostes sociais-democratas: a tese de que o CDS morreu e é irrelevante. Antes de prosseguir, faço um mea culpa: eu próprio declarei a morte do CDS. Mas isso, mais do que me limitar, dá-me um certo à-vontade para dizer o que se segue.

A direita parece não ter percebido ainda duas coisas: a primeira, é que o que foi não volta a ser, mesmo que muito se queira, como cantavam os Xutos, ou seja, que a sociologia eleitoral mudou; a segunda, é que a ala - esquerda/direita - que menos fragmentar leva vantagem eleitoral sobre a outra.

Olhando para um histórico de sondagens de pouco mais que um ano (disponível aqui) verificamos duas coisas: o PSD não descola para intenções de voto melhores que o último resultado de Rui Rio (o que é trágico para aquele que já foi o maior partido português); e sempre que o PSD sobe o Chega desce, e vice-versa, quais vasos comunicantes que, na maior parte das vezes, enfraquecem o incumbente e fazem crescer o desafiante. Gente mais irreflectida diz-me que as sondagens não interessam nada. Gente mais assisada diz-me que nas sondagens o que conta é a tendência. Aos primeiros, boa noite e boa sorte (digo noite, porque parecem querer continuar às escuras), aos segundos pergunto se não é tempo de tirarem as devidas ilações. E as ilações são as seguintes: um PSD na casa dos 20 e tal %, abaixo dos 30, não se afirma como o pólo agregador à direita, sendo fortemente penalizado pelo método de Hondt; e, neste cenário, mesmo que, porventura ou providência, fique à frente do PS, dificilmente assegurará condições de governabilidade (vide caso espanhol).

Volto ao CDS e introduzo o tema das Europeias. O legado histórico único do CDS e a qualidade dos quadros sobrantes são maiores do que a expressão eleitoral do partido (e imensamente maiores do que o seu potencial eleitoral actual), e ao PSD nunca fará mal contar com quadros com a qualidade dos que ainda sobram no Largo do Caldas (e, relembro, no Parlamento Europeu, nos Governos Regionais e nas autarquias locais). A menos, claro, que a lógica reinante na São Caetano à Lapa seja apenas a do caciquismo e, nesse caso, atrevo-me a dizer que merecem o destino a que, aparentemente, se entregam.

Por outro lado, não faz sentido que dois partidos com o histórico comum que o PSD e o CDS têm (desde Cavaco Silva o PSD nunca mais governou sem o CDS) que, nesta altura, num momento tão difícil para ambos, e sentando-se ambos no mesmo grupo europeu (o PPE), continuem a disputar o mesmo eleitorado num processo autofágico incompreensível para a generalidade dos eleitores. No final do dia, os votos que permanecerão fiéis ao CDS correm o risco de já não elegerem deputados (ou, numa versão mais simpática, terão muita dificuldade em fazê-lo), mas com o método de Hondt e com os círculos eleitorais que temos (e, por maioria de razão, nas Europeias, com um círculo único), podem fazer toda a diferença positiva ao PSD. E, neste ponto, recordo o que já disse noutro lugar em jeito de exemplo: em 2019, nas Europeias, separadamente, o PSD elegeu 6 deputados e o CDS 1; com os mesmos votos, exactamente os mesmos, juntos, teriam eleito 8. O que é curioso é que o mesmo partido que já ameaçou sucumbir ao crescimento eleitoral do Chega, é o mesmo partido tentado a manifestar sobranceria relativamente ao CDS.

Leitor mais desatento poderá pensar que estou a falar especifica e exclusivamente das Europeias, mas tal é um erro de percepção. O que estou a dizer é que a única forma da direita se salvar e voltar ao poder é apresentar um amplo projecto de convergência programático e eleitoral. E isto é muito diferente de ficar em primeiro lugar nas eleições. Para isso, há, portanto, que começar pelo mais fácil: somar o que é óbvio, valorizando as convergências em detrimento das divergências. É claro que haverá quem contraponha com purezas ideológicas e clarificações, que mais não são do que excessos de escrúpulos divisionistas.

Percebo as tentações. Entre a adrenalina e o torpor, entre o risco e o conhecido, entre a irresponsabilidade e a consequência, vacilamos por entre os dilemas da vida. Não haverá respostas finais, admito, mas há seguramente opções fatais: não correr riscos de dissensão pode ser um erro, mas não trilhar caminhos seguros de coesão é um erro maior. Uma coisa é certa: insistir em fazer provas de vida pode acabar em certidões de óbito.

Somos criaturinhas trágicas e cómicas com causas por apurar e consequências paradoxais, que motivam o riso de incredulidade aos do siso e pasmo aos do riso. Ora nos entregamos à modorra com medo do risco, ora nos abandonamos a este cuspindo naquela. É na escolha radical entre opções aparentemente exclusivistas que reside a tragédia, e na incapacidade de lidar com as consequências a comicidade. Eis, neste psicodrama, a razão de sucesso dos revolucionários, reaccionários e toda a sorte de populistas: tornam a escolha radical, e não querem saber das consequências.

Difícil de entender? Simplifico, numa aliteração em b (de bebedeira), adaptando a linguagem aos seguidores de Tremaine, Jonze e Knoxville (os gajos do Jackass): o que a direita está a fazer, não aproveitando as opções seguras, como uma grande aliança eleitoral de tipo AD - Aliança Democrática, é como sair de "bina" Bica abaixo e cair de boca num beco qualquer. A adrenalina é boa, mas o estrago é grande. E as feridas demoram a sarar. Olhando a história, talvez seja mais prudente dar Passos seguros, de preferência longe do Rio, para não haver afogamentos.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia