Era adolescente quando “O Detective Cantor” passou na TV. E lá em casa entrou logo no cânone catódico, mesmo com aquele tom desagradável e aquele Job amarrado a uma cama de hospital com psoríase artropática.
Desfigurado pela doença, internado, imóvel, o protagonista, o chandleresco Philip Marlow, reescreve na cabeça as suas histórias policiais, interage com quem o rodeia e tem alucinações com canções populares, quase todas, por contraste, nostálgicas, inocentes ou sentimentais. Muitas características de Marlow são as do argumentista da série, Dennis Potter, das maleitas físicas à fixação na infância, do trauma sexual à ambiguidade quanto à cultura de massas. Além de testar os limites da autobiografia, Potter quis contrariar o sentido de “orientação” que as pessoas procuram na ficção, deixando que o espectador ficasse tão desorientado como a personagem principal. E para isso usou uma complexa estrutura narrativa, saltos no tempo, cenas imaginadas, coreografias, cançonetas como madalenas de Proust.
Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.