Opinião

O desgoverno da (pouca) água que temos

A “mão dura” prometida pelo Ministro do Ambiente sobre os utilizadores que abusem ou desperdicem água deveria ser constante e não apenas para fazer face à emergência no Algarve

Ao contrário do que foi apregoado pela Diretiva Quadro da Água, pelas Instituições da UE e pelo Governo Português, a implementação de estratégias para tornar os usos e consumos da água mais sustentáveis continua a ser parente pobre face ao contínuo e pernicioso aumento das infraestruturas de captação e retenção deste bem comum (e escasso) no nosso país.

Os números não poderiam ser mais exemplificativos: a construção da dessalinizadora em Albufeira prevê um investimento de 50 milhões de euros; e o reforço da albufeira de Odeleite a partir da captação do Guadiana no Pomarão, 62 milhões, numa medida ilegítima à luz do direito internacional atualmente em vigor. Mas no âmbito do tão necessário Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, os montantes aplicados na redução de perdas nas redes de abastecimento foram apenas de 20 milhões de euros. O mesmo para a reutilização de águas residuais (6 M€), valores significativamente inferiores e que atestam o desinvestimento na eficiência da gestão da água.

Acresce que a gestão do risco de seca continua a ser reativa e pontual, em vez de ser preventiva e permanente. A resposta de emergência dada este ano à seca no Algarve é aliás paradigmática: a fiscalização de emergência anunciada para 2 dos 17 sistemas aquíferos da região deveria ser a rotina em todos os aquíferos do país – as ilegalidades e abusos detetados só mostram a impunidade com que se gasta água onde ela escasseia. E assim, o que deveria ser de todos passa a ser só de alguns.

Por outro lado, não é por decreto que se consegue reduzir em 20% o uso de água para rega no Sotavento ou em qualquer outra região do país. O que é necessário é fiscalizar e reduzir dotações, o que não foi feito; pelo contrário, a autorização excecional para abertura de furos em parte do Sotavento veio incentivar os grandes regantes a manter os seus consumos e desperdícios.

A “mão dura” prometida pelo Ministro do Ambiente sobre os utilizadores que abusem ou desperdicem água deveria ser constante e não apenas para fazer face a esta emergência. Faltam medidas fundamentais para cumprir o disposto na Lei da Água, como uma fiscalização corrente sobre os utilizadores e o fecho das captações ilegais de água ou a revisão dos títulos de utilização em função das disponibilidades de água dos sistemas de abastecimento.

O Dia Nacional da Água coincide com este início de Outono, ainda muito tímido no que diz respeito à época de chuvas. É um dia tão bom como outro qualquer para relembrar que uma gestão sustentável da pouca água de que dispomos implica corrigir estas e outras lacunas, tanto a nível da gestão e resposta ao risco de seca, como dos instrumentos e políticas de governança da água. E prevenir os impactos da seca implica pensar a política de gestão da água não apenas nos períodos mais secos, mas principalmente nos períodos em que chove e a água é mais abundante. Afinal, a água é um bem comum e cabe ao Estado proteger o que é de todos.