As parcerias internacionais com as universidades americanas (CMU, MIT e UTAustin) foram estabelecidas em 2006 para reforçar a capacidade científica de Portugal em sectores estratégicos: as TICs no caso da Carnegie Mellon University (CMU), os sistemas de engenharia no caso do MIT e tecnologias emergentes (nanotecnologias, espaço) no caso da UTAustin. A ideia, promovida por Mariano Gago, era impulsionar áreas científicas e tecnológicas com potencial impacto económico expondo-as às melhores práticas das instituições líderes mundiais. Foi um dos muitos instrumentos que Mariano Gago promoveu para combater a lógica corporativa das instituições e derrotar o atavismo que caracterizava como uma “mistura de derrotismo triste, aparente bom senso, ansiedade e medo do futuro que formam a nossa portuguesíssima teia da desgraça”.
Passados quase 17 anos, as parcerias permitiram a formação de massas críticas para promover a apropriação social e económica da investigação. Formaram novos líderes científicos, muitos deles empreendedores que fundaram empresas globais que conseguiram o estatuto de unicórnios (Feedzai e Mambu) ou centauros (unBabel, Veniam) contribuindo para um ecossistema único que inclui outras empresas como a TalkDesk, Outsystems, Farfetch, ou Remote. Desde 2006 o saldo da balança de pagamentos tecnológicos (patentes e I&D) passou de - 202m€ para +1 880m€. É necessário um estudo aprofundado para compreender o contributo direto das parcerias para estes resultados. Todavia a evidência é clara, por exemplo, a Feedzai (empresa criada com a CMU e que beneficiou com UTAustin) lidera as patentes em 2022 acima de muitas Universidades.
O financiamento das parcerias internacionais representa 2,1% do orçamento de 2022 da FCT, com os restantes 97.9% a incluir a rede de instituições científicas (24,3%), o emprego científico (23,3%), as bolsas de formação avançada (18,8%) e a cooperação científica com outros países (5,4%). Por analogia o programa Europeu Horizonte Europa de quase 100 mil milhões de euros dedica 56% a desafios estratégicos e competividade industrial e apenas 26% ao pilar de excelência.
O retorno destas parcerias deve ser assim analisado pelo impacto económico. No caso da CMU foram transferidos pelo estado português cerca de 60 milhões de euros (total das 3 fases até 2023). Só das empresas diretamente envolvidas é possível estimar em mais de 700 milhões de euros de capital de risco captado e a criação de mais de 1500 postos de trabalho altamente qualificado. O Programa da CMU atraiu ainda vários projetos Europeus de monta (três ERC, duas ERAChair e um REGPOT, num total de €10,5 milhões). Ao nível social permitiu que muitos jovens pudessem obter formação de nível mundial e muitos professores tivessem oportunidades para impulsionar a sua carreira contribuindo para beneficiar as instituições onde estão enquadrados.
A questão fundamental que deveria orientar a decisão política sobre a renovação (ou não) das parcerias internacionais é perceber se o Governo entende que os 2,1% do orçamento da FCT é mais bem aplicado numa perspetiva estratégica (não só científica, mas também económica e política) ou reforçar as verbas globais. Aqui convém clarificar vários equívocos. Primeiro, os valores pagos às Universidades americanas não são o pagamento de um serviço, são transferências das componentes de bolsas, propinas e custos com a colaboração dos alunos e professores quanto estão nos EUA. Segundo, nenhuma parceria deste tipo é autossustentável, as instituições de investigação quando colaboram internacionalmente são sempre financiadas por fundos públicos (por exemplo Erasmus ou Marie-Curie). Terceiro, os concursos competitivos para bolsas, projetos e mobilidade são abertos a todos. Embora focados em áreas específicas têm uma orientação por desafios económicos e sociais e são inúmeros os exemplos de empresas e investigadores de áreas como a saúde, economia, gestão, comunicação, materiais, física, matemática, design, etc. que ganharam financiamento ou bolsas no âmbito das parcerias internacionais. Quarto, a gestão das parcerias obedece a uma estrutura de governança liderada pela FCT e na qual existem representantes do Conselho de Reitores das Universidades Portugueses (CRUP) e das empresas e é sujeita a acompanhamento e avaliação permanente por painéis de peritos independentes. Os concursos são avaliados por peritos independentes indicados pela FCT (ou pela ANI), nos mesmos moldes de qualquer outro concurso e sem interferência das direções. A concentração geográfica e institucional das parcerias resulta da concentração de capacidade de iniciativa dos investigadores e da qualidade dos alunos que deve ser analisada em termos relativos à dimensão das escolas. Quinto, a gestão das parcerias é feita por professores em regime pro-buono que pertencem a várias instituições e que têm variado ao longo das fases numa lógica de rotatividade. Sexto, se as parcerias forem descontinuadas não existe um aumento de recursos para o sistema, mas sim uma mudança (marginal) na orientação dos concursos abertos. A totalidade do financiamento da FCT deixa de ter qualquer orientação estratégica.
A decisão é política e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e a FCT dispõem de evidência, consubstanciada com visitas recentes, sobre o potencial desta aliança Euro-Atlântica de que Portugal dispõe e que é única no panorama Europeu. No que diz respeito à parceira com a CMU a visão estratégica apresentada aponta para um reforço da colaboração na economia da Inteligência Artificial (onde a CMU é pioneira e líder), com ênfase noutros setores de grande importância como a cibersegurança, a sustentabilidade, a produção de semicondutores e a aplicação de novos materiais. Abdicar de uma relação continuada com uma das melhores Universidades do mundo quando podemos estar na iminência de mais uma disrupção tecnológica soa muito ao que Mariano Gago chamava a gestão com fatalismo das circunstâncias.