Opinião

As Causas: um pacote para enganar o pagode

O que no Pacote se revelou verdadeiramente surpreendente (visto pelas reações que suscitou) é a incompetência, o desconhecimento e desinteresse pelo mundo real

O Pacote da Habitação do Governo – quando ouvi António Costa a publicitá-lo – lembrou-me de imediato duas frases célebres e infelizmente muito aplicáveis em Portugal:

a) “Mesmo um relógio parado está certo duas vezes por dia”;

b) “O programa tem coisas boas e originais: as boas não são originais e as originais não são boas”.

Quando analisei com cautela o Pacote tive de concluir que se confirma que muitas vezes as primeiras impressões são as corretas…

Há coisas boas, por certo: simplificar licenciamentos, juros de mora se houver atrasos de licenciamento, facilitar a passagem para habitação do que segundo as regras urbanistas são imóveis para comércio e serviços, recuperar património do Estado e autarquias para arrendamento, apoios em juros de empréstimos e pagamento de rendas).

Mas não são originais e os seus efeitos demorarão anos a acontecer ou nada têm a ver com quem não consegue encontrar a preço conveniente algo para arrendar.

Por isso surge em relevo o que é original, mas não é bom. E, claro, foi isso que encheu e continua a encher as manchetes e as notícias televisivas.

Em minha opinião o que define o anunciado programa é ser um “pacote para enganar o pagode”. Como veremos de seguida.

PACOTE: O QUE É MAU E NÃO SURPREENDE

O que mais surpreende na Pacote não é a clara viragem estatizante, desta vez manifestamente focada na tentativa de reconquistar eleitorado urbano de classe média baixa, que é o território de eleição do PS.

O PS está mais à esquerda do que nunca e acha que radicalizar lhe atrai eleitorado.

Não me espanta por isso que queira matar o negócio do alojamento local, tipicamente feito por pequenas empresas, que cria emprego, gera IVA, recuperou centenas de casas e é um sucesso da iniciativa privada independente do Estado.

É uma opção ideológica legítima, que critico, mas quem não goste que não tivesse dado maioria ao PS pois essa linha esquerdizante só não era evidente para quem não queria ver.

E também não me surpreende muito a trapalhice e a precipitação com que o Pacote foi lançado, abrindo-se um debate público de menos de um mês sobre um muito complexo programa de mudanças na habitação, que irá ser feito – pois mais não há – apenas com base num “power point” com 14 slides, agora tornado num outro com 27 slides e que divulgou depois.

Foi realmente penosa a forma como a Ministra da Habitação (não) conseguiu responder às serenas perguntas de Ana Patrícia Carvalho na passada 6ª feira, na SICN. Mas tudo indica que o susto das sondagens tenha obrigado a tirar um coelho de uma cartola e este era o que estava mais à mão e foi (mal) esfolado a correr.

Nem me espanta assim tanto que, mais uma vez, se demonstre que 7 anos foram perdidos (se foi bom ou mau, é outra coisa) para concretizar esta estratégia, ou lá o que possa ser chamado a este Pacote.

O PS, no fundo, está estilhaçado entre a realidade e a ideologia, quer assegurar boas sondagens e sabe que fazer reformas é criar adversários motivados e apoiantes céticos.

O que no Pacote se revelou verdadeiramente surpreendente (visto pelas reações que suscitou) é a incompetência, o desconhecimento e desinteresse pelo mundo real, a complicação em que se meteram que não vai demorar a que se torne num enorme tiro pela culatra que pode fazer o Pacote explodir-lhes nas mãos.

O ESTADO GROSSISTA NO ARRENDAMENTO

Para demonstrar isso, poderia dar vários exemplos, mas vou concentrar-me na teoria da transformação do Estado numa enorme Remax que também será um grossista no negócio do arrendamento.

Para isso o Estado anunciou que:

a) Vai lançar um gigantesco plano de expropriação do direito de utilização da propriedade,

b) Vai fazer obras pelo país fora em propriedade alheia, sem controlo de custos e depois tentando cobrar dos proprietários,

c) Tornar-se-á, do dia para a noite, num fundo de gestão de arrendamentos, a negociar com milhares de proprietários e dezenas de milhar de inquilinos, a cobrar rendas e a despejar quem não pague,

d) Vai ter de inspecionar o modo como as frações serão mantidas e intervir se forem degradadas;

e) Vai ter de as devolver passado 5 anos, desocupadas e no estado em que foram recebidas.

O Estado que vai fazer isso é o mesmo que:

a) não cumpre prazos,

b) demora anos a licenciar,

c) deixa degradar o seu património vazio,

d) quando é senhorio não cobra rendas de quem não pague, não volta a arrendar quando ficam devolutas frações habitacionais,

e) nem sequer responde a perguntas de quem o contacta sobre apartamentos vazios durante meses (como há dias ouvi numa reportagem no Vale da Amoreira na Moita e em relação a casas do IRHU),

f) sabe que um despejo demora muitos meses e até anos a executar.

Mas o Estado sabe mais:

a) Sabe que os proprietários vão resistir às expropriações,

b) Que se forem estrangeiros podem recorrer a tribunais internacionais se o arrendamento forçado não for pago a preço de mercado,

c) Que tudo isso demora anos a resolver.

O PRÍNCIPE POTEMKIN COSTA

Estas as razões para que eu esteja convencido de que estamos perante uma encenação, como o foram as belíssimas aldeias (desmontáveis) que o Príncipe Potemkin mandava colocar nas estradas quando a sua amante, a Imperatriz Catarina II, se deslocou à Crimeia em 1787.

O efeito que António Costa queria alcançar está alcançado. Todos os que nos meios urbanos não conseguem arrendar ou só podem a preços muito elevados, ficam a sonhar que milagrosamente – se este Pacote for aplicado – terão rapidamente casas renovadas e a bom preço para viver.

E a base eleitoral é grande. Vejam o mapa do Economist que revela quem mais vive em casa dos Pais entre os 25 e os 34 anos.

Estes são em regra jovens oriundos da “pequena burguesia” urbana, que têm rendimentos baixos e que precisam de casas.

Quem se opuser – ainda que seja em nome do bom senso, o qual perde quase sempre contra sonhos e fantasias – será atado ao pelourinho dos que não se interessam pelos mais desfavorecidos, apoiam os especuladores e querem as cidades cheias de estrangeiros.

Como é óbvio, embora não tenha sido escrito, o Governo já afirmou que o levantamento dos imóveis para os arrendamentos forçados vai ser feito em colaboração com as autarquias locais, guardando em exclusivo para si apenas as coisas boas e que não geram confusão.

Isso tem de imediato dois efeitos:

a) o chamado “efeito CEO do SNS”, segundo qual nada do que vier a correr mal será no futuro culpa do Governo;

b) complicar a vida às grandes Câmaras de Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Aveiro, Viseu, Faro e em geral do Algarve, Açores e Madeira, que não são geridas pelo PS, e que se recusarem a colaborar serão atadas ao pelourinho, e se aceitarem vão falhar redondamente, tudo isso sendo útil ao PS nas eleições autárquicas de 2025.

Claro que não estando o país apaixonado por Costa como Catarina II estava por Potemkin, a manobra pode falhar, por exemplo se:

a) Esta linha de montagem de “aldeias Potemkin” for percebida pelos que pretende enganar;

b) E, pior, se começarem a ser ocupadas as segundas residências de veraneio, de emigrantes, em processo de partilhas ou destinadas a descendentes de proprietários.

Pode ser que António Costa – com o ar doce, compungido e pesaroso que agora define a sua “persona” – venha a recuar em tudo isto e deixar apenas as reformas que fazem sentido e são viáveis (ainda que com efeitos apenas a médio prazo).

Mas que com isto quis enganar o pagode, disso não pode haver dúvidas. E como irtá culpar as oposições pelo recuo, espera ficar a ganhar.

UCRÂNIA: APÓS UM ANO DE GUERRA, COMO VAI SER?

Daqui a três dias passa um ano sobre o início da invasão da Ucrânia pela Rússia proto-imperial.

Antes do mais, vejam-se os quatro mapas (do Economist) que contam em resumo a história:

Mapa 1: Situação do território que a Rússia ocupava na véspera de invadir;
Mapa 2: Situação em 30/3/22, quando teve de abandonar a estratégia de chegar a Kiev, derrubar o regime e criar um satélite russo, como é a Bielorrússia;
Mapa 3: Situação em 31/8/22 antes de se acentuar a contraofensiva ucraniana;
Mapa 4: Situação em 30 de novembro de 2022, no final da contraofensiva e passagem para a guerra das trincheiras em que estamos ainda agora.

Em resumo:

a) A Rússia fracassou completamente na sua estratégia de mudar o regime ucraniano e criar um Estado satélite;

b) A coragem com que Zelensky e o seu povo resistiram e a sensação de que a Rússia era incompetente criaram os apoios externos que permitiram resistir ao ataque do urso moscovita;

c) E com isso não apenas resistiram como recuperaram grande parte do que fora ocupado no primeiro mês da guerra;

d) A Ucrânia reforçou de tal modo o seu sentimento nacional, que em termos macro-históricos já é definitivamente vencedora;

e) A Rússia gerou aquilo que mais temia: a NATO está mais coesa, determinada e armada, e sobretudo reforçada, com a Finlândia, a Suécia e no futuro a própria Ucrânia;

f) A União Europeia não se tornou automaticamente no gigante estratégico que não é, mas demonstrou uma vontade e os meios de ação que a podem tornar um sério “player” geopolítico e não apenas pela economia e “soft power” que se lhe reconhecia;

g) Os EUA deram o sinal aos seus aliados, em especial na Ásia, que os não abandonaria e para a China isso também se tornou claro.

Tudo isso é positivo para as democracias liberais. Mas há sérias incógnitas e problemas pela frente:

a) A ofensiva da Rússia nas próximas semanas, para rebentar com as trincheiras ucranianas, vai ter sucesso?

b) Se tiver, a resistência da Ucrânia desfaz-se como um castelo de cartas?

c) A Ucrânia vai poder lançar uma contraofensiva, cortando a ligação entre o Donbass e Crimeia e ficando mais perto no terreno da situação há um ano, antes da invasão?

d) Que vai ser o esforço da China para alcançar a paz? E pode ter sucesso?

e) É possível paz sem a queda de Putin? E sem ceder a Crimeia à Rússia?

f) Ou é possível a paz voltando-se ao statu quo ante da invasão?

Demasiadas incógnitas, que são normais em situação de guerra. Demasiados problemas, seja qual for a evolução.

O ELOGIO

Ser oposição, não gritar, não propor coisas absurdas que geram debate, é muito difícil.

Também por isso aqui registo o elogio ao PSD pelo power point que resume de modo muito mais detalhado e sustentado do que o Pacote do Governo, a sua proposta intitulada “Um novo caminho para a habitação”.

Divulgado dois dias antes do Pacote do Governo, contém praticamente todas as boas ideias do Pacote e nenhuma das más.

A proposta é declinada em três pilares:

a) Regime para aceleração e aumento da oferta de habitação disponível e acessível (privada e pública),

b) Apoios Transitórios à Procura,

c) Estímulo a Soluções Inovadoras.

Tenho a certeza que quase nenhum jornalista político o leu … mas ainda vão a tempo.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Um ano após a invasão da Ucrânia, sugiro a leitura de dois livros sobre política internacional, geopolítica e geoestratégia, escritos por reputados especialistas:

De Miguel Monjardino, “Para Onde Irá a História?” (Clube do Autor) e de Miguel Morgado, “Guerra, Império e Democracia” (D. Quixote).

Ambos têm presente a secular história da Europa, o regresso da guerra ao nosso continente e o futuro que podemos antecipar.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

O Primeiro-Ministro anunciou uma prioridade aos imigrantes oriundos do mundo da lusofonia: terão durante um ano após chegarem a Portugal uma espécie de autorização de residência provisória automática com acesso aos benefícios do Estado Social.

O diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), o socialista António Vitorino, declarou a “necessidade de encontrar as soluções para uma migração segura, ordenada e regular”, a partir de África, porque “existem carências de mão-de-obra na Europa”.

O que Luis Montenegro e Carlos Moedas disseram há pouco tempo e em relação à imigração não foi diferente disto. E o próprio André Ventura não diz nada muito diferente – ainda que o faça num estilo populista e por isso não se pode dizer que o consenso o abranja.

Ou seja, há condições para um consenso muito alargado em Portugal em relação a uma política ativa de imigração.

A pergunta é óbvia: para quê então Marcelo e o PS – aqui de mãos dadas – atacam o PSD em vez de realçarem o consenso nacional?

A LOUCURA MANSA

Há dias, a SILOPOR (que faz a gestão de silos por todo o País e tem uma quota de mercado de 70% em Lisboa e Porto e 40% a nível nacional) teve uma greve que está a criar riscos de falta de cereais.

Devido a isso, ouvi referências de onde conclui que está a ser gerida por uma Comissão Liquidatária. Achei estranho e fui pesquisar.

Assim, em finais do século passado, a Direção Geral da Concorrência da União Europeia ordenou a sua dissolução e liquidação.

Desde há quase 25 anos que o processo de liquidação (a fazer por venda da sua atividade) está em curso. Há sempre razões para esta demora (como por exemplo dificuldades com concursos públicos), mas sejam quais forem as razões, é uma loucura que a gestão de uma entidade tão relevante esteja a ser feita nestes modos.