Estávamos no princípio do recente mês de Março quando foram conhecidos os primeiros sinais de uma eventual descortesia ministerial para com respeitados Almirantes e Generais, já na situação de reforma, quando - referindo-se a opiniões publicamente manifestadas por escrito por oficiais daquelas altas patentes a propósito de matéria respeitante à reorganização da Defesa Nacional - o titular da respectiva pasta terá declarado que estaria mais interessado em ouvir oficiais em serviço activo.
Dúvidas houvesse quanto a cortesias, foram rapidamente esclarecidas por notícias na Imprensa, nomeadamente no semanário Expresso, segundo as quais um importante projecto de profunda reorganização da estrutura superior das Forças Armadas tinha sido aprovado em Conselho de Ministros em 11 de Março (não, não é nenhum chiste, apesar do cariz revolucionário que o caracterizaria...) e submetido - logo no dia seguinte (!) em Conselho Superior Militar - à apreciação dos Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exército, e da Força Aérea, concedendo apenas 6 horas (!) para tal avaliação, de modo a ser submetido no dia útil seguinte (em 15 de Março - não, não foi em 16 de Março, não fora o caso de se pensar que se estaria a comemorar mais uma data revolucionária) ao parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Conselho este que em rapidíssima demonstração das suas simpléximas capacidades em matéria tão sensível nada assinalou - à excepção de algumas reservas dos Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas (segundo a Imprensa) - bem como do Presidente da República, que, presidindo ao Conselho, não esqueceu ser também Comandante Supremo das Forças Armadas, como se pode constatar pelo comunicado oficial, em que se afirma que, tendo "presente que o processo legislativo vai seguir subsequente tramitação, ouvindo o Conselho de Estado e envolvendo aprovação governamental e apreciação e aprovação na Assembleia da República, e que, quer na sua tramitação, quer na sua eventual aplicação, é fundamental o papel dos Chefes dos três ramos das Forças Armadas, o Conselho deu parecer de princípio favorável aos projectos em questão."
Cabe agora notar que o Chefe do Governo - certamente conhecedor de haver opiniões da impressionante maioria dos respeitados oficiais de altas patentes que, embora já não prestando serviço activo tinham desempenhado o cargo de Chefe do Estado-Maior nas Forças Armadas, por certo não deixariam de prestar o seu contributo para o estudo da projectada reorganização - não terá em momento algum sugerido que tal hipótese fosse considerada.
E tudo leva a crer que o mesmo terá sucedido no que respeita ao próprio Comandante Supremo das Forças Armadas, Presidente do Conselho Superior da Defesa Nacional, do Conselho de Estado, e da República.
Talvez esquecendo, ambos, que entre aqueles Oficiais – que nunca puseram em causa a legitimidade do Governo em propor, e a do Parlamento em legislar - se encontravam muitos que no período pré-constitucional tinham contribuído decisivamente para que a Democracia fosse instaurada no nosso País, e que após 1976 fossem gradualmente consolidadas as disposições constitucionais.
E a rapidez prosseguiu, dando quase a crer que certamente se esperaria importante conflito militar ao qual se deveria responder "rapidamente e em força": no dia19 reúne-se o Conselho de Estado, desta vez não se convidando nenhuma personalidade internacional, mas apenas o Ministro da Defesa Nacional. Ponto único de agenda: as propostas de alterações, anunciadas pelo Governo, às leis de Defesa Nacional, e Orgânica das Forças Armadas.
Curiosamente, todos estes procedimentos - relativos a matéria tão importante e sensível como o é a alta estrutura da Defesa Nacional e das Forças Armadas - ocorreram em pleno estado de emergência, em momento certamente não apropriado à tomada de decisões fundamentais para o nosso País. Porém, a correspondente nota informativa divulgada apenas referia que o Ministro da Defesa Nacional tinha apresentado uma exposição sobre os mencionados projectos.
Consultada a Agenda do Parlamento para a semana seguinte (de 22 a 26 de Março) constata-se nada ter estado previsto em matéria de Defesa Nacional, pelo que a citada nota informativa disse quase tudo sobre o que pensaria quanto a estes assuntos o Comandante Supremo das Forças Armadas e Presidente do Conselho de Estado.
E o próprio Presidente da Assembleia da República, recebidas que foram as Propostas governamentais, poderia e deveria tido em conta que a falta de cortesia ou a distracção de outros Órgãos de soberania relativamente a Almirantes e Generais que já tinham cessado o serviço activo (e que mesmo assim não deixaram de se preocupar com a Defesa Nacional), poderia e deveria ter sido colmatada por apropriadas audições prévias daquelas altas individualidades - e também do Almirante e dos Generais que comandam os três Ramos das Forças Armadas (que só no final do processo é que terão sido ouvidos).
Não só o Presidente da Assembleia, mas todo o Parlamento, deveriam ter tido presente que na elaboração legislativa importa ouvir os cidadãos, em particular os que dela têm experiência, e que quando deliberam apressadamente - apenas sustentados na existência de maiorias e quiçá com uma inefável sensação de terem submetido ao seu mando militares de altíssima patente - as democracias correm o risco de serem apelidadas de "democraduras".
E, promulgado num habitualmente discreto Agosto o Decreto da Assembleia da República, não deixarão contudo e obviamente os Portugueses mais atentos de observar os comportamentos dos diversos "players" (nunca uma palavra em moda terá sido tão bem aplicada neste conjunto de episódios) quando se encontrarem face a face....
Por exemplo, o Presidente da República e o General António Ramalho Eanes, anterior Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e primeiro subscritor do documento referido no início do presente texto...
E as Forças Armadas, que pensarão quanto ao modo como foram tratados distintos militares que as comandaram?
Capitão-de-mar-e-guerra (ref.)