Opinião

As Causas. De Otelo à covid

É tão errado incensá-lo como estigmatizá-lo. [Otelo] Não foi um herói nem foi um vilão. Apenas um (bom) ator a que as circunstâncias históricas deram um protagonismo para que não estava preparado

Otelo, de Spínola a Isaltino. Reguengos de Monsaraz, Vila Nova de Milfontes, Lei Travão. Covid como endemia contra os que exploram o pânico. E o mais que houver…

OTELO: UM ATOR NA REVOLUÇÃO

A morte de Otelo já foi tratada por muitos, mas creio que não tocaram no essencial: mais do que liderar a operação militar que nos deu a liberdade e liderar os que se não importava que destruíssem a liberdade à bomba, Otelo era e sempre foi um ator.

Como escreveu ontem no Público o seu biógrafo, Paulo Moura, “Otelo sempre gostou dos aplausos. Quando era miúdo, queria ser actor, não militar. Adorava falar, ser ouvido, rodear-se de pessoas, de “amigos”. Era amigo de toda a gente”.

Otelo era, sempre foi, um ator, realmente. Isso na Guiné era útil para a estratégia de promoção de Spínola junto dos “media” nacionais e internacionais.

Antes dizem-me que foi graduado da Mocidade Portuguesa, mas nasceu para a política como spinolista e aderiu ao MFA com teatralidade. Mais corajoso ou mais atrevido do que muitos (se não todos…), teve a energia da determinação e estou convicto que sem ele (e sem Spínola) o 25 de abril podia ter soçobrado. Um grande papel é irresistível para um ator.

Mas, de imediato, o seu lado teatral veio ao de cima, como resultado da popularidade (quão diferente era Salgueiro Maia…).

Por isso, desenvolveu um processo de crescente vaidade e ambição desmesuradas, deixando-se levar para situações que estavam muito acima das suas limitadas capacidades.

No COPCON, onde os spinolistas o colocaram, assinou sem pestanejar centenas ou milhares de mandados de captura em branco.

Ideologicamente – segundo disse a Mário Soares, que me contou numa conversa sobre tudo e sobre nada - no avião a caminho da negociação com a Frelimo em 1974 optava pela social-democracia sueca.

Mas através de bravatas próprias e incenso de outros aspergido sobre ele a rodos, zangado por perder poder depois do 25 de novembro, com desprezo pelos direitos humanos e crescente convicção de que poderia ser um novo Fidel de Castro, dirigiu-se para a extrema-esquerda.

Com naturalidade, acabou nas FP 25 de Abril.

Ou melhor, acabou a apoiar Isaltino Morais para a Câmara de Oeiras.

Não sem antes, em 2011, ter afirmado numa entrevista que "precisávamos de um homem com inteligência e a honestidade do ponto de vista do Salazar, mas que não tivesse a perspetiva que impôs, de um fascismo à italiana (...). Alguém que fosse um bom gestor de finanças, que tivesse a perspetiva de, no campo social, beneficiar o povo, mesmo e sobretudo em detrimento das grandes fortunas”.

A sua vontade de ficar na História (outros dirão que a sua estupidez e infantilidade) fê-lo guardar atas das reuniões do movimento terrorista, e com isso deu à investigação criminal as provas para a condenação de todos, o que os operacionais nunca lhe perdoaram.

E já antes, pela sua impreparação e vontade de que todos gostassem dele, foi quem realmente tirou o tapete aos que em 25 de novembro de 1975 queriam fazer o esquerdismo tomar o Poder.

O PCP – que é profissional, prudente e responsável – nunca lhe achou graça.

Basicamente, fez tudo mal para aqueles com quem se foi aliando, exceto ter assegurado que o golpe de Estado de 1974 não “borregasse”. Ficará na História por tudo e também por isso.

Mas por isso é tão errado incensá-lo como estigmatizá-lo. Não foi um herói nem foi um vilão. Apenas um (bom) ator a que as circunstâncias históricas deram um protagonismo para que não estava preparado.

DE QUEM É A CULPA DOS DESACATOS?

Uma boa forma de nos ajudar a pensar é aproximar factos que nos surgem soltos e aparentemente sem nada em comum.

Pensem, por exemplo, nos distúrbios em Reguengos de Monsaraz (presenciados por soldados da GNR sem intervir) e nos atos de vandalismo em Vila Nova de Milfontes (alegadamente feitos por menores embriagados e drogados à rédea solta pela noite fora).

Pensem também na decisão unânime do Tribunal Constitucional sobre a violação da “lei travão”, que motivou o Presidente a gritar que apesar disso teve uma vitória política.

E recordem o Governo a aplicar restrições motivadas pela Covid que são materialmente típicas de estado de emergência, que não foi decretado.

Ou vejam a confirmação da estratégia que aqui denunciei há semanas, para fazer coincidir a sensação de libertação da Covid (António Costa o disse, ou melhor confessou) com a campanha autárquica.

De um lado, há a violência e o abuso impunes. E também o desaparecimento de uma cultura de liberdade responsável, o esboroar da autoridade dos progenitores sobre os seus filhos e a inação de quem tem como missão manter a ordem pública.

Do lado oposto, o comportamento doloso do Presidente da República e do Governo que, conscientes de que estão errados, e sabendo que os Cidadãos se apercebem disso, apesar disso não hesitaram.

Afinal, através dele há o Estado a dar maus exemplos para todos nós. A agir como se a Constituição e as leis fossem meros instrumentos, a respeitar ou não conforme seja útil. Tudo isso em nome da transformação dos “likes” em apoios políticos, do oportunismo político e do maquiavelismo, tratados como supremo bem, que tudo justifica.

Dir-se-á que é um sinal dos tempos. Por certo que sim.

Mas é mais do que isso:

De um lado, é a reação da natureza humana (seguramente no seu pior), vendo os maus exemplos vindos de cima, perante uma tentativa de a manietar com soluções que destroem a liberdade e que se tornaram pandémicas durante a pandemia da Covid.

Do outro lado, é a convicção dos politicamente poderosos de que podem abusar pois nada lhes acontece. O grave é que desse modo legitimam a desobediência cívica; e destroem a santidade da lei que é o legado do iluminismo, o garante da liberdade, sinal de igualdade e por isso de democracia.

Por trás da moita dos adolescentes em Milfontes e dos que agridem em Monsaraz, por trás da inação da GNR e da PSP quando mais necessária seria mostrar e exercer a autoridade democrática, está o modo como o Presidente da República e o Governo desrespeitam dolosamente a Constituição e a lei.

As sociedades quando chegam a isto estão doentes. Não se admirem se tudo piorar. Mas quando isso for evidente, não se esqueçam de responder à clássica, mas tão essencial pergunta: de quem é a culpa?

COVID, TÊ-LA-EMOS SEMPRE CONNOSCO

“A DGS não divulga se os óbitos dizem respeito a pessoas vacinadas ou não vacinadas — ou com outras condições de saúde associadas à Covid-19”, dizia o Observador no domingo.

E, no entanto, não há nada mais importante para divulgar.

Mas países como a Inglaterra são mais transparentes. Segundo estudos divulgados pelo Financial Times, e conforme o gráfico infra, por cada 920 000 vacinados há 110 hospitalizados e por cada 80 000 não vacinados há 160 hospitalizados. Ou seja, o risco de hospitalização é quase 20 vezes maior para os não vacinados.

A mesma conclusão resulta do gráfico do FT, que se projeta e é relativo ao ano de 2021 em Inglaterra:

Por isso, e como eu referi há 15 dias, com a vacina a Covid já não é um problema de saúde pública grave há tempos.

Os próprios “especialistas do Governo” hoje finalmente não o negaram.

E vejam, por exemplo, o gráfico da Ordem dos Médicos e IST que revela a evolução desde que foi lançado (sem nenhum sucesso nos media, é curioso…):

Ou seja, mesmo numa visão “sanitarista”, pelo menos há mais de uma semana que isto era óbvio.

Apesar ou por causa disso, os media insistem em ampliar a estratégia de pânico que interessa ao Ministério da Saúde. Foco-me, por exemplo, no Observador, ontem e hoje, mas podia ser qualquer outro:

a) Ontem – depois corrigiram – titulavam “Morreram cinco mulheres acima dos 70 anos e quatro homens acima dos 50”, mas seria mais rigoroso realçar que tinham morrido 7 pessoas com mais de 70 anos, 1 com mais de 60 e um com mais de 50, só que assim não aumenta o pânico

b) Hoje deram realce a que quase 70% dos que estão em UCI têm menos de 59 anos (realmente é menos de 60…), esquecendo que são 140 pessoas num universo de … 7 milhões e duzentos mil! E abaixo de 40 anos (onde se concentram mais os chamados infetados) são 36 pessoas num universo de 4,2 milhões! Mas escrito deste modo não há pânico que resista

c) Também realçam que entre 28 de junho e 4 de julho, 2% dos doentes em internamento geral tinham a vacinação completa. Em UCI, eram 5%. Mas esquecem de recordar que serão então 18 internados e 10 em UCI num universo de 5,2 milhões totalmente vacinados! Mas quem se assusta se escreverem o número em vez da percentagem?

Mais do que isso, como foi confirmado pelo estudo dos 21 especialistas intitulado “Reconquistar o Direito de Viver” (de imediato abafado pelos media), Portugal já vive em endemia.

Mas o Financial Times revelava no fim de semana que 17% dos infetados com a variante Delta estavam completamente vacinados há mais de 14 dias, mas quase todos sem gravidade.

E estudos científicos ingleses revelam que alguém completamente vacinado com mais de 80 anos tem risco idêntico a alguém de 50 anos não vacinado.

Soubemos também hoje na reunião no Infarmed que

a) Dos 26 aos 45 anos, 25% das pessoas são resistentes à toma da vacina;

b) Que haverá uma “nova onda de Covid” no Inverno, ainda que possa ser pequena.

E sabemos que o 3º Mundo vai continuar muito pouco vacinado e as fronteiras são porosas.

Por tudo isso e, infelizmente, como se diz da pobreza, Covid tê-la-emos sempre connosco.

As consequências desta realidade são óbvias:

a) A estratégia portuguesa – como há mais de um ano venho dizendo - não faz sentido nenhum: sub-protege os grupos de risco e sobre-protege os menores de 50 anos que quase não morrem ou têm doença grave mesmo que não estivessem vacinados;

b) Por mais que se tente, não se acaba com a Covid com inconstitucionais confinamentos e limites à vida normal, sendo que nem sequer quando todos estivermos vacinados deixarão de morrer pessoas com Covid;

c) Devido à insistência no exagero e no erro, o efeito é contraproducente, como Vila Nova de Milfontes bem demonstra.

d) E essa estratégia “sanitarista”, maximalista e insensata, que ganhou protagonismo a nível mundial, é a causa das movimentações absurdas, violentas e destrutivas em muitos países contra vacinas obrigatórias e certificados de vacinas.

O ELOGIO

Desta vez o elogio é à paciência e resignação dos militantes do PSD. Rui Rio é cada dia que passa menos adequado para a política. O último exemplo foi mais uma vez menorizar a oposição ao Governo (a dois meses das autárquicas!) para lançar uma proposta de revisão constitucional que exige o acordo do PS…

Os militantes do PSD parecem ser monges trapistas: vivem isolados do Mundo, em contemplação e com voto de obediência. Se houver Céu – como eu acredito – já está garantido um lugar para todos…

LER É O MELHOR REMÉDIO

Clara Ferreira Alves escreveu na Revista do Expresso um texto denominado “Como dar cabo de um País” e António Barreto, no Público, “Por bem” sobre a censura anunciada pelo Governo a todo o pensamento desviante. Sérgio Sousa Pinto deu uma entrevista ao “Sol” que também merece ser lida.

A Esquerda moderada, liberal e independente está a dar cartas, quando a Direita foi de férias. Nem tudo está perdido.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Já imaginam o que hoje perguntarei. De novo. No dia 18 de junho, há mais de um mês, o carro que transportava o Ministro Cabrita colheu mortalmente uma pessoa. Qual era a velocidade a que ia?

No caso do Palácio Burnay: em 1 de Julho, o Forum da Cidadanoa LX postou fotos e carta enviada a muitas autoridades sobre o alegado furto e vandalização do Palácio Burnay. Desde 6 de julho que pergunto: retiraram as telas e reposteiros para restauro ou foram furtadas?

Como em tantos outros casos, o Poder Político nada responde e com o tempo tudo esquece…

A LOUCURA MANSA

Este é apenas um exemplo da tragédia sanitária que está a resultar da estratégia “Covidesca” que há quase 1 ano e meio nos foi imposta.

Segundo informa o Expresso, “quase um ano depois de ter sido anunciado que ia reabrir, o serviço de internamento da Unidade de Alcoologia de Lisboa, que encerrou devido à pandemia, continua fechado. As consequências estão à vista: há doentes que esperam “dois, três meses” para serem internados quando muitas vezes não têm assim tanto tempo”.

O título da notícia é “o hospital ou a prisão ou a morte: é a isto que o álcool nos leva”. Já só restam duas hipóteses…

E algo idêntico se repete para o cancro, a pneumonia e tantas outras fortíssimas causas de morte.

Espero que algum dia os portugueses, ao menos, perguntem de quem é a culpa.