Opinião

O Mar: não pode ser um desígnio nacional no papel

Perante a pandemia e a aflição da crise económica, o Governo vai recorrer ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que é essencial para resgatar o país dos problemas económicos e sociais.

Há muito que os problemas estruturais em Portugal estão identificados e são apontados como impedimentos a uma progressão económica sustentada e à verdadeira criação de riqueza no país.

Neste contexto, o Mar deverá fazer parte da actividade económica onde nos podemos diferenciar no seio da União Europeia (UE) e, por isso, é um vector estratégico em que terá de assentar o nosso modelo de desenvolvimento económico enquanto fonte de vantagens competitivas sustentáveis.

Se existe algo indiscutível em Portugal é a importância do Mar não só pela soberania e identidade histórica que lhe confere. Mas também pela sua melhor fonte de recursos, que ainda se encontra por explorar. O Mar não pode ser um desígnio nacional no papel.

O único elemento verdadeiramente diferenciador e característico da natureza dos portugueses exige à acção governativa capacidade de motivar e mobilizar os cidadãos com uma estratégia definida em três eixos: criação de conhecimento, proteção do oceano e promoção da economia azul sustentável. No entanto, estranhamente o PRR não é suficientemente robusto para desenvolver uma resposta estrutural, duradoura e impactante, tendo em vista uma economia do mar mais competitiva e empreendedora.

A afirmação do País pelo Mar deve ser tomado como essencial para perspectivar o crescimento económico, assegurando um desenvolvimento sustentado. A sua importância para Portugal tem uma dimensão politica, económica, cientifica, cultural e de segurança (security e safety).

O transporte marítimo é responsável por cerca de 90% do comércio mundial. A segurança alimentar, energética, ambiental, económica e militar global é inatingível sem que exista segurança marítima no oceano, pelo que, como espaço geopolítico, pode conferir maior liberdade de acção na política internacional. Em Portugal 60% do comércio externo e 70% das importações portuguesas usam a via marítima. E todo o petróleo e 2/3 do gás natural que consumimos chegam por via marítima.

Importa também potenciar as vantagens competitivas únicas que os portos e, em especial, o porto de Sines podem proporcionar como porta Atlântica da Europa em articulação com a rede de plataformas logísticas, tendo em conta fluxos do comércio mundial provocados pelo novo canal do Panamá

A amplitude geográfica de Portugal no Atlântico é relevante. Sendo o País essencialmente marítimo -97% do seu território com a extensão da Plataforma Continental (país com a dimensão da Índia) -, não pode deixar de zelar pela segurança do mar face às novas ameaças e riscos. O que nos traz responsabilidades e oportunidades, que não é possível aproveitar sem uma Marinha com um novo redimensionamento para que seja valorizada e credível com recursos e capacidade de acção. Para isso, é necessário assegurar a reversão da grave situação orçamental.

Por outro lado, Portugal está na articulação da segurança do Atlântico Norte com a segurança do Atlântico Sul, que adquire renovada importância estratégica, tendo em conta os recursos energéticos do Golfo da Guiné, onde se situam cinco dos nove países da CPLP. Identificam-se desafios e oportunidades.

Antes da adesão à UE tivemos uma poderosa frota de pesca que foi sendo abatida bem como as empresas de reparação, construção naval, que são praticamente inexistentes. Desde a integração na UE, apesar da retórica, temos continuado a viver de costas voltadas para o mar. Importamos cerca de 70% do peixe, quando devíamos ser o maior exportador com o potencial daquela que é a 3 ª maior zona económica exclusiva da UE e a 11.ª do mundo. A Bélgica (com cerca de 100 Km de costa) produz cerca de três vezes mais riqueza do mar e a Dinamarca, com metade da população, produz seis vezes mais.

O país não pode perder a oportunidade de potenciar os seus recursos, que representam apenas cerca de 6 % do PIB da economia portuguesa. Poderão, no entanto, duplicar o seu peso em 2030.

Apesar de todas as dificuldades que o País enfrenta, importa estar ciente que é no “Mar português” que voltaremos ao desejado rumo para um futuro melhor de Portugal.

Capitão-de-fragata (reforma)