Diariamente surgem novos desafios fiscais como consequência da constante inovação, de novas tecnologias e diferentes modelos empresariais que testam os limites do status quo fiscal, com alguns a irem mais além. No entanto, são muitos os países e organizações internacionais que procuram estar na vanguarda da inovação fiscal, procurando investigar e desenvolver mecanismos de combate a tais desafios. Recentemente, Portugal deu a sua primeira, embora pequena, contribuição neste sentido: uma "Netflix Tax" à portuguesa. Este pode ser um primeiro passo para um imposto sobre os serviços digitais (comumente designado em inglês por Digital Service Tax ou DST) em Portugal.
Com a transposição em novembro do ano passado de uma Diretiva da União Europeia (UE) - Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual - foi alterada a legislação portuguesa relativamente à prestação de serviços de comunicação social audiovisual, adaptando-a à evolução do mercado. A nova lei entrou em vigor a 17 de fevereiro deste ano.
Entre as várias alterações ao setor dos serviços cinematográficos e audiovisuais, há duas com impactos fiscais. Por um lado, uma "advertising tax", ou seja, o alargamento da taxa de exibição (taxa fixa de 4%), já devida sobre publicidade comercial em plataformas como cinema ou televisão, à comunicação comercial incluída em serviços audiovisuais a pedido ou serviços de plataformas de partilha de vídeo (como o Youtube). Por outro lado, uma "Netflix Tax", isto é, uma taxa anual correspondente a 1% dos proveitos relevantes à qual os operadores de serviços audiovisuais a pedido (como a Netflix e HBO) estarão sujeitos.
Enquanto que a "advertising tax", já em vigor para os tradicionais operadores de mercado, é alargada aos serviços audiovisuais a pedido e aos serviços de plataformas de partilha de vídeos, apenas os operadores de serviços audiovisuais a pedido por subscrição estão sujeitos à "Netflix Tax".
Assim, as plataformas que operam os serviços de "Video-on-Demand" e de streaming, estarão sujeitas tanto à “advertising tax", como à "Netflix Tax", sinalizando assim os alvos destas novas taxas.
Ademais, enquanto que a "advertising tax" é calculada sobre o preço pago pela comunicação comercial audiovisual, a "Netflix Tax" será cobrada sobre os proveitos relevantes dos operadores. No entanto, sempre que não seja possível apurar o valor dos "proveitos relevantes", presume-se que o valor anual da taxa é € 1.000.000.
Em face do exposto, mantém-se a questão se este poderá ser um primeiro pequeno passo em direção a um imposto sobre os serviços digitais em Portugal num futuro próximo.
Vários países estão a tomar medidas unilaterais para tributar a economia digital, tendo já anunciado ou implementado um imposto sobre os serviços digitais, i.e., essencialmente um imposto sobre certas fontes de receitas brutas de grandes empresas digitais com base na localização efetiva dos utilizadores/consumidores.
Assim, será a “Netflix Tax” um prenúncio para a introdução unilateral em Portugal de um verdadeiro imposto sobre os serviços digitais sobre as grandes empresas digitais?
Embora, a "Netflix Tax" tenha um escopo específico e estreito, é provável que Portugal a pretenda expandir para outras proporções. Dito isto, é duvidoso que Portugal implemente tal mecanismo à revelia da UE antes de se encontrar uma solução consensual e comum entre os Estados-Membros.
Sendo certo que a pandemia COVID-19 contribuiu significativamente para o fomento desta discussão, dado que o consumo deste tipo de serviços aumentou substancialmente, esta pode vir a ser uma interessante fonte de receitas para combater a atual crise económica.
* Diogo Ortigão Ramos é sócio coordenador da área de Fiscal da sociedade de advogados Cuatrecasas; Tiago Gonçalves Marques é advogado associado da área de Fiscal da Cuatrecasas