O acidente do passado dia 31 na linha do Norte e que envolveu um comboio Alfa Pendular e um Veículo de Conservação de Catenária (VCC) no concelho de Soure tem gerado uma torrente de informação e desinformação. Pretende-se contextualizar alguns dos elementos conhecidos até ao momento.
Segundo os relatos do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) na origem do acidente está uma passagem não autorizada de um sinal vermelho - em Inglês conhecida com a sigla SPAD (Signal Passed At Danger). Isto é, quando um veículo passa um sinal vermelho sem autorização ou seguindo uma instrução errada do controle de via colocando-se a si e à circulação em perigo. Infelizmente mesmo com a instalação de sistemas de via e embarcados de proteção e controle de velocidade não é possível reduzir a zero a probabilidade da ocorrência de todo e qualquer tipo de incidentes. Este é o caso especialmente em trechos de alta frequência como é o caso da linha do Norte.
O SPAD é um tipo de acidente relativamente raro mas que tem ocorrido, e ocorre, em vários países mesmo aqueles em que os investimentos em segurança ferroviária são mais elevados. Este tipo de infração, por sorte, nem sempre tem consequências de relevo tal como o que aconteceu em 2016 na estação Roma-Areeiro com uma gravíssima intrusão de um VCC similar ao do acidente da passada semana. Foi certamente um aviso que deveria ter sido levado em conta. Existem vários exemplos recentes de acidentes devido a SPAD na Europa. Por exemplo na Alemanha, Suíça ou Bélgica tão recentemente como 2016 têm ocorrido acidentes com vítimas resultantes de colisões na sequência de SPAD. No entanto, e apesar de tudo, o efeito estatístico destes acidentes é residual e o modo de transporte ferroviário continua a ser o mais seguro, conveniente e sustentável de todos os todos os modos de transporte suburbanos e de médio curso.
Por forma a manter o mais elevado nível de segurança de circulação, a implementação de sistemas de sinalização e proteção modernos e fiáveis é um requisito fundamental. Em Portugal o sistema mais usado nas aplicações de média e alta velocidade é o "Convel". É um sistema utilizado em vários países europeus e continua válido e seguro apesar de, presentemente, não ser comercializado pelo fabricante original. No entanto o Convel não correspondente ao padrão mais recente de sinalização europeu. O sistema mais atual, que vem sendo instalado nos últimos anos predominantemente na Europa é o European Train Control System (ETCS) nas suas várias versões e níveis. Este tem em vista uma harmonização do legado de variados sistemas nacionais e permitir a operação em corredores transfronteiriços no espaço ferroviário europeu.
Infelizmente a reconversão ao ETCS corresponde a investimentos avultados na infraestrutura embarcada e de via sendo logicamente implementado principalmente em novas vias construídas de origem. No contexto atual de transição vários países europeus mantêm os seus sistemas de segurança nacionais específicos em paralelo ao ETCS.
As primeiras aplicações deste novo sistema em Portugal estão previstas para breve. Entretanto a compatibilização entre os sistemas “legacy” e o ETCS é perfeitamente possível e prevista na implementação através de módulos de conversão e transmissão. O actual uso do Convel em Portugal não parece ser ter sido o problema neste acidente mas antes a sua falta.
No caso do VCC que se colocou no caminho do Alfa Pendular no dia 31 o sistema Convel não estava instalado por motivos não totalmente claros. Por razões ainda a apurar este veículo ou desrespeitou um sinal vermelho devido a um erro visual ou foi mal instruído a prosseguir marcha ou deu-se uma falha de um qualquer sistema embarcado.
Apesar das consequências lamentáveis de perda de vida e de material, não se demonstra por este acidente que Portugal tenha mais acidentes ferroviários do que a média europeia. Urge, portanto, continuar a investir para modernizar a ferrovia incluindo a instalação dos sistemas de proteção e sinalização relevantes na maioria, ou na totalidade dos veículos de manutenção de via, catenária ou outros que frequentem a ferrovia.
A prioridade, apesar de tudo será renovar e expandir a oferta pela modernização do material circulante e do reforço de uma oferta verdadeiramente competitiva com outros modos de transporte. Para isto o investimento sustentado é fundamental conforme exemplos europeus bem atuais e próximos. Basta ver o que se tem feito do outro lado da fronteira.
* Gestor de projetos de desenvolvimento de veículos ferroviários