Já ninguém tem dúvidas de que a actual crise pandémica, provocada pela covid-19, foi o gatilho para uma gravíssima crise económica e social com dimensões sérias a nível mundial, à qual o nosso país dificilmente será imune e que exigirá acção em várias frentes e com vários intervenientes.
Um desses intervenientes é, inevitavelmente, a banca. Apesar de ter sido acautelada a possibilidade de uma moratória para que as famílias e as empresas possam pagar alguns dos seus empréstimos e ainda a possibilidade de acesso a linhas de crédito de financiamento às empresas, nada foi acautelado quanto à possibilidade de cobrança de juros de mora ou tão pouco a limitação da distribuição de dividendos.
A possibilidade de cobrar juros sobre juros, para além do capital em dívida, não só é imoral como é uma factura que mais tarde ou mais cedo vai bater à porta dos portugueses. Quer se queira quer não, é impossível que esta crise não nos avive a memória quanto ao enorme esforço que os contribuintes tiveram de fazer para tapar os buracos causados pela má gestão da banca no passado recente!
Entre 2008 e 2018, segundo o Tribunal de Contas, a banca recebeu em apoios públicos um total de 25.485 mil milhões de euros, dos quais até hoje liquidou apenas cerca de 5 mil milhões de euros! E este bolo não se fica por aqui: o Orçamento do Estado para 2020, relativamente a este sector, prevê ainda a atribuição de 850 milhões de euros para financiar o Novo Banco e uma despesa de 130 milhões de euros com a conversão dos activos por impostos diferidos em créditos tributários. Se as opções dos Governos do PS, com ou sem geringonça, e do PSD/CDS-PP tivessem sido outras, e se estas verbas principescas tivessem sido canalizadas para o financiamento do Serviço Nacional de Saúde - nomeadamente para garantir a aquisição de equipamentos ou salários justos aos profissionais da saúde (que são dos mais mal pagos dos países da OCDE) - provavelmente estaríamos, hoje, em melhores condições para reagir à pandemia.
Se à primeira vista a possibilidade de uma moratória de 6 meses para alguns créditos é positiva, dando margem para as pessoas se manterem à tona da água, a verdade é que, tal como assinalou a DECO, os bancos ficam a capitalizar os juros durante o período da moratória e a acumulá-los no valor do empréstimo, o que significa que, ao fim de 6 meses, os bancos vão ganhar mais do que ganhariam se não houvesse a suspensão do empréstimo! Já quanto à participação em linhas de crédito de financiamento às empresas, apesar de estarem em causa empréstimos garantidos pelo Estado e de, em alguns casos, serem empréstimos que são financiados pelo BCE (até com juros bonificados), devido ao spread e à cobrança de comissões, os encargos totais podem chegar aos 3%. Ou seja, aos bancos, no contexto da Covid-19, não chegam as garantias do Estado, nem que o BCE lhes esteja a pagar, para que concedam empréstimos, o que demonstra uma total falta de ética e uma ganância desmedida na obtenção de lucro.
Nas últimas semanas tivemos a oportunidade de ouvir António Costa defender que tinha chegado a altura de a banca retribuir a ajuda dos contribuintes e de ouvir ainda Rui Rio dizer que, passo a citar, "se a banca apresentar em 2020 e em 2021 lucros avultados, esses lucros avultados serão uma vergonha e uma ingratidão para com os portugueses". Ora, rapidamente nos apercebemos de que estas lamúrias não são mais do que meras lágrimas de crocodilo do “bloco central” que se tem vindo a formar uma vez que, chegada a hora da verdade, PS e PSD juntaram-se para, na mesma reunião em que Rui Rio criticou a banca, assegurar o chumbo da proposta do PAN no sentido de impedir a capitalização dos juros nos empréstimos no período da moratória e de impedir a cobrança de juros no âmbito das linhas de crédito de apoio às empresas.
Se o dinheiro dos contribuintes serviu para não deixar cair a banca, o que se pede agora, e não devíamos de ter de o fazer de mão estendida, é que não contribuam para criar mais dívida às famílias e às empresas nestes tempos que se avizinham como bastante difíceis e cujos efeitos já se fazem sentir com o lay-off, desemprego ou falta de pagamento de salários.
No passado dia 8 de Abril esta matéria foi novamente a votos e o bloco central tinha uma segunda oportunidade para mostrar de que lado está afinal: das pessoas ou da banca! Ao confirmar o seu voto contra PS e PSD mostraram que não querem realmente passar das palavras à acção e que não querem dar aos cidadãos e às empresas as respostas que são necessárias neste momento excepcional. Ficámos com o reverso da moeda que já conhecemos: um caminho de sacralização da banca que permite o seu lucro à custa do impacto económico e social da covid-19 nas famílias e empresas. Não se tratava de bater na banca ou nos partidos que têm governado o país, tratava-se sim de lhes exigir respeito por quem tem assegurado a sua sobrevivência nos últimos anos.