As crianças são, em tantos aspetos, inesperados mestres. Um testemunho disso está no modo como conjugam o verbo repetir. A repetição parece nelas um estado radioso, de felicidade pura, que assoma aos nossos olhos perplexos como um opaco enigma. As crianças ouvem uma história e querem ouvi-la, em seguida, mais dez, mais duzentas vezes. Escutam uma canção e pedem imediatamente: “Outra vez.” Desarmam-nos, assim. Como se o verbo repetir nos escondesse qualquer coisa que desconhecemos. Pela nossa parte — diga-se —, não é que não associemos a felicidade à suposição ou à promessa de uma duração que, como se sabe, se constrói por uma série ininterrupta, mesmo se complexificada, de repetições. Por exemplo, se os verbos que moldam a arquitetura da vida não tivessem, mesmo que de forma implícita ou até ficcional, um aceno à sua permanência no tempo (e, logo, à sua repetição), perderíamos completamente a confiança neles. O filósofo Jean-Luc Marion refere, a esse nível, o caso do amor. Qualquer afirmação sobre o amor necessita, para ser minimamente verosímil, de um horizonte onde a continuidade possa existir. Não posso declarar “eu gosto de ti por quinze minutos” ou “amo-te durante uma semana”.
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