Podia ser para rir, como as crónicas de 1920 do humorista André Brun com este título, delícia de alfarrabista nuns dias de Verão. Ou pode ser mais sério, como o desabafo peremptório de Paulo Portas, no início de 1998, pouco antes de vir a ser eleito líder: «O PP não tem emenda!»
Foram as duas ideias que me ocorreram ao ler a página 3 do Expresso de 20 de Junho. Um festival de coesão política na coligação PaF.
Um título era “Alta tensão na lei das campanhas”. Dava nota de que o PSD, sem concertação com o CDS-PP, teria fechado um acordo com o PS, em que, depois, viria a recuar sob pressão do CDS: «Se o acordo (com o PS) se mantivesse, o CDS votaria contra e deixou no ar a ameaça de mandar a lei para o Constitucional.» Ora, pega lá um primeiro PaF.
Já é estranho que o PSD, em coligação com o CDS-PP, concerte com o PS sem dar cavaco ao CDS, sobretudo em matéria sensível como os temas eleitorais. Mas igualmente estranho é que o CDS-PP tenha, alegadamente, tido que chegar ao extremo de ameaçar votar contra e queixar-se ao Tribunal – e aprecie divulgar o conflito e o “remédio”, mesmo depois de resolvido e superado. Como sinal de coesão não está nada mal.
O outro título é mais apetitoso: «PS e CDS entendem-se», em letras garrafais, com o antetítulo «Portas acompanhou de perto negociação para baixar já IVA e IRS nos Açores». Lendo a notícia, a substância não tem muito de especial, resumindo-se nisto: os Açores, pela Lei das Finanças Regionais, têm direito, como compensação da insularidade, a beneficiar de um diferencial fiscal, que podia ir até taxas 30% mais baixas do que no Continente; durante o período da troika, o diferencial foi reduzido para um máximo de 20%; com a saída daquela, o OE 2015 repôs a possibilidade do regime original. É, portanto, natural o que agora se concretizou, execução linear do previsto no orçamento PSD/CDS.
O estranho está na introdução, por altíssimas fontes do CDS, deste picante PS/CDS, como frenesim alegórico. A coisa poderia compreender-se limitadamente, no singular contexto regional açoriano; mas, no quadro nacional, é a despropósito, ou melhor, sintomático. Pode aceitar-se a ideia de que, em geral, estamos a pagar impostos altíssimos não porque seja necessário, mas apenas porque o CDS não tem interlocutor no PSD, mas já o tem no PS? Medite-se bem nesta frase do altíssimo dirigente do CDS: «Agora, provámos nos Açores que o CDS não abdica de reduzir os outros impostos, desde que tenha interlocutor para isso.» Ora, pega lá um segundo PaF.
No CDS-PP, debatemos pouco e de nada sabemos. Por isso, jornalistas como os do Expresso, com boas fontes muito bem colocadas, desempenham missão de superior interesse público: é por eles que sabemos o que a direcção do partido faz, projecta e pensa. Um tesouro. Foi pelo Expresso sobretudo que pudemos acompanhar o pensamento real da direcção, naquele prolongado “momento Syriza” do CDS-PP que vai da crise da TSU à superação da crise irrevogável de Julho. Aí lemos a explanação do “sabia, mas não sabia”, da extensa incerteza quanto ao OE 2013 e das linhas vermelhas sobre a Segurança Social, que, afinal, eram a tracejado. Aí tínhamos sabido, ainda antes, da célebre carta aos militantes contra qualquer aumento de impostos, carta que ninguém recebera, mas acabou por aparecer. Outros também, como a manchete do “i”, três semanas antes de Gaspar se demitir: «CDS pergunta a Gaspar porque é que nunca acerta nas previsões». Ou a manchete do “Sol”, a meio da campanha para as europeias: «Passos enfurece Portas». E foi de novo pelo Expresso que, semanas a fio, pudemos acompanhar a “quizomba fiscal” que precedeu e o último OE 2015.
O disco, pelos vistos continua. Ainda não se partiu. Ou, então, é mesmo isso: está partido.
Assim não vamos longe. É por essas e por outras que a reforma do Estado ficou por fazer.