Volta ao Mundo em 8 dias

Uma dica para a oposição: se falarem de problemas, tragam soluções

O evento: já há Governo ‒ e já há quem seja contra

Irmanado à sua direção partidária e pontuado com rostos inesperados, o Governo do novo primeiro-ministro não conta, à partida, com uma má equipa ministerial. 7 mulheres em 17 governantes; 8 doutorados entre eles, 5 independentes com percurso próprio e autónomo da política. Paulo Rangel nos Negócios Estrangeiros, Joaquim Sarmento nas Finanças, Fernando Alexandre na Educação e José Manuel Fernandes na Agricultura são nomes sólidos nas suas áreas.

Há, todavia, pontos de interrogação que merecem sobreaviso. Os dois líderes partidários que encabeçam a coligação não têm qualquer experiência governamental. A única pessoa que foi ministra antes ‒ Graça Carvalho ‒ desempenhou o cargo há mais de vinte anos, estando hoje com quase 70. Rita Júdice, que se estreou na política como candidata ao Parlamento, será ministra da Justiça apesar de a única coisa que a relaciona com o setor ser a advocacia. Fernando Alexandre, que foi secretário de Estado da Administração Interna, professor de Economia e perito em Infraestruturas, tutelará escolas e professores. Joaquim Sarmento, que é um técnico de mão cheia, nem sempre foi feliz na gestão do grupo parlamentar do PSD.

O resultado da ação governativa não dependerá em exclusivo da sua qualidade ou vontade, mas sobretudo da capacidade política para dirigirem cada pasta. E do Ambiente e Energia ao superministério que concentrou a Educação e o Ensino Superior, passando pelas águas turvas do sistema judicial, uma coisa é certa: não será fácil.

No final desta semana, quando forem conhecidos os secretários de Estado, talvez uma ou outra surpresa confiram outra energia a um Governo cuja sobrevivência dependerá de um movimento constante entre a ação e a reação.

O protagonista: Pedro Nuno Santos

Ia ser um grande líder partidário, que até agora não foi. Ia ser um ótimo candidato a primeiro-ministro, que perdeu pela primeira vez em nove anos. E ia ser um líder da oposição invejável, que de momento não mete inveja a ninguém. Pedro Nuno Santos tem tempo para encontrar o tom certo para o lugar onde se encontra. Mas não pode demorar muito mais.

A reação do Partido Socialista ao elenco governativo de Luís Montenegro teve um propósito claro, mas um método irracional. Ficou claro, desde o primeiro minuto, que o PS tem como objetivo sustentar as suas posições até outono num crescendo de razões que justifiquem o chumbo do Orçamento do Estado para 2025. Tal é uma estratégia tão legítima como qualquer outra. Aliás, se o Governo não for mais do que um mero redistribuidor da gestão que o antecedeu, os socialistas reclamarão o mérito do que deixaram feito e do que Montenegro vier a fazer.

Querer começar essa cobrança cedo demais obriga a uma dança que não deixa de desafinar. A primeira nota do PS sobre o novo Governo é que este não resolve “o problema da governabilidade”. É um facto, mesmo que de constatação espúria. O “problema da governabilidade”, como qualquer observador mais atento notará, não se resolve consoante quem é ou não é ministro. Caso contrário, no dia em que o PS quisesse responsabilizar o PSD por qualquer instabilidade política, Montenegro poderia apresentar uma remodelação em vez de ir a eleições.

Mais: quando o Partido Socialista associa a formação do Governo à questão da “governabilidade”, está a enunciar um problema para o qual ele próprio não é solução. O que queria o PS que Luís Montenegro fizesse? Partilhar pastas ministeriais com a oposição? Bloco Central? Ou integrar o Chega e levar a maioria de direita para a governação? Provavelmente, nenhuma delas. E é essa a primeira lição que Pedro Nuno deve retirar dos seus primeiros dias na oposição: cuidado ao denunciar problemas que o PS não está interessado em resolver.

A segunda linha narrativa do PS é que o novo Governo está “muito à direita”, o que inviabiliza compromissos ou negociações entre os dois maiores partidos. Novamente, o argumento faz tangente ao irracional. Por um lado, é um tanto excêntrico que um partido que há duas semanas anuncia o seu voto contra um Orçamento que não existe venha lamentar falta de condições para negociar. Por outro lado, a ideia de que os ministros de Montenegro estão “muito à direita” não tem adesão à realidade dos seus currículos.

A nova ministra da Saúde presidiu ao maior hospital público do país a convite do PS. A nova ministra da Administração Interna foi reconduzida pelo Governo do PS para chefiar a IGAI. A nova ministra do Trabalho integrou a Comissão para a Igualdade no Emprego e aconselhou a Comissão Europeia em matérias igualitárias e de género. A nova ministra da Cultura é a favor da devolução de obras de arte aos seus países de origem e de uma participação ativa do Estado no património cultural. O novo ministro da Educação vice-presidiu ao Conselho Económico e Social liderado por Francisco Assis e fez parte da Comissão Técnica Independente escolhida pelo Governo de António Costa para a escolha do novo aeroporto.

Se estas pessoas são “demasiado de direita” para conversarem com o PS, o que diabo esteve o PS a trabalhar com elas nos últimos anos?

O leitor não me interprete mal. Pedro Nuno Santos pode ser primeiro-ministro em menos de um ano. A incerteza que saiu do resultado de 10 de março obriga-nos a encarar essa possibilidade como séria. Convém que ele faça o mesmo.

A advertência: o futuro que já é hoje

Ontem, a presidente da Comissão Europeia anunciou a integração da Roménia e da Bulgária no Espaço Schengen, levantando as fronteiras marítimas e áreas destes países com a União Europeia. O caminho para o alargamento até final da década continua a ser percorrido apesar de mal ser discutido no debate público português. Os novos protagonistas ‒ Montenegro e Pedro Nuno ‒ devem construir o seu projeto de país assente no que será o espaço europeu daqui a poucos anos. Tenho dúvidas que percam tempo com isso.

A sugestão: Pat

A sugestão desta semana insiste na música e vai para o novo single do guitarrista Pat Metheny, que pode ouvir aqui no Spotify ou aqui no Youtube. Chama-se Moon Dial.

Boa semana

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