O protagonista: António Costa
Numa intervenção largamente defensora do seu próprio legado, o primeiro-ministro entrou na campanha eleitoral para fazer o que lhe era exigido: apoiar o seu sucessor, evocando a herança que lhe deixou ‒ aos ombros ou nas mãos, conforme a perspetiva. Para quem o escutou, a interrogação automática após ouvi-lo não pode deixar de ser: como é que a campanha não está a correr bem ao PS?
Num apelo aos indecisos tremendamente eficaz, António Costa colocou o dilema da seguinte forma: para quê mudar em vez de melhorar o que realmente importa? Com ele a candidato, talvez a dúvida surtisse efeito. Com Pedro Nuno Santos, pelo contrário, a hesitação de quem está indeciso não tem sido dissolvida pela campanha eleitoral.
A presença do primeiro-ministro na estrada é uma mais-valia para um PS ávido de recuperar ‒ ou manter ‒ os votantes que lhe deram uma maioria absoluta há pouco mais de dois anos, mas poderá não ser suficiente. Haverá com certeza eleitorado ‘envergonhado’ por manter a preferência nos socialistas, depois de meia legislatura pouco feliz, que não surge nas sondagens. E não é impossível que a soma dos ‘envergonhados’, com os indecisos por captar e com os convencidos por Costa mantenha os socialistas acima da barreira dos 30% no próximo domingo. Para Pedro Nuno, em caso de derrota, independentemente da forma como o Governo caiu, era importante manter-se entre os 28% de Sócrates (em 2011) e os 32% de Costa (em 2015).
Para António Costa, muito curiosamente, a gestão da sua saída parece cada vez mais desenhada a régua e esquadro: sem interferência no programa de quem lhe sucedeu, mas sem desapoiar quem lhe herdou as funções partidárias.
De um modo, e para sua sorte, o ainda primeiro-ministro está solto de responsabilidades no que concerne ao resultado do PS. A campanha foi de Pedro Nuno. A queda do Governo mal foi tema. A interrupção da legislatura nunca foi dramatizada. Pedro Nuno limitou-se a louvar feitos e a prometer remendos. Se não resultar, o principal responsável não será só quem se demitiu. Será também o candidato.
O evento: A honra do convento
Na perceção pública, depois da enérgica aparição de António Costa e de uma semana turbulenta na AD, a última leva da campanha parece começar em pratos limpos e equilibrados. O cenário de empate técnico nas sondagens e as vozes dissonantes ‒ às vezes incompatíveis ‒ na direita transmitem essa ideia: está tudo em aberto.
A minha chamada de atenção vai para o facto de, possivelmente, não ser bem assim. Há voto indeciso, envergonhado e por convencer no eleitorado do PS, sim. E a AD e a IL não conseguem crescer sem ser à custa uma da outra, é verdade. Mas a dinâmica eleitoral pode não ter sido afastada de Montenegro apesar do ruído que o rodeou nos últimos dias e Pedro Nuno, por outro lado, pode não ser salvo pela mão-amiga de António Costa. Para os eleitores ‘fora da bolha’, as declarações de Paulo Núncio sobre a IVG e de Eduardo Oliveira e Sousa sobre as alterações climáticas podem não ser mais do que isso: ruído proveniente de anónimos. E o plano, que hoje parece menos inclinado do que antes, pode afinal continuar favorável à oposição.
Que outra coisa explica a nova ida de Costa à campanha, prevista para esta tarde? Salvar a honra do convento?
A advertência: os senhores da CNE
A Comissão Nacional de Eleições tem um papel cada vez mais exigente, em particular com ameaças crescentes a atos eleitorais pelo mundo fora. O modo como desvalorizou uma declaração de intenção de sabotagem do ato eleitoral (“Não tenho qualquer nota de queixa entregue”) permitiu a quem pretende questionar a legitimidade das eleições fazê-lo a todo o vapor. Ventura tem razão na denúncia que fez; não tem razão na aura de dúvida que quer colar à ida às urnas. Infelizmente, só tardiamente a CNE se apercebeu que a sua inação contribuiria para isso.
A sugestão: uma discreta pérola
É da autoria de Nuno Gonçalo Poças a nova biografia de Francisco Lucas Pires, “O Príncipe da Democracia”. Lançado em plena campanha eleitoral, chega hoje às livrarias e ainda não consegui dedicar-lhe o tempo que merecia. Não poderia, no entanto, recomendar mais o terceiro livro do autor. Incansável na pesquisa, admirável no critério, trata-se de uma discreta pérola no plano politico-literário nacional.
Boa semana