Volta ao Mundo em 8 dias

Há mais um tabu na sala, senhoras e senhores!

O evento: o debate das rádios

Num debate que contou com temas que passaram ao lado da pré-campanha ‒ Segurança Social, Justiça, reforma do sistema político ‒, a governabilidade continuou central, ainda que turva. Não será injusto dizer que, mesmo sem André Ventura, a discussão sobre políticas públicas continuou pouco profunda e algo desligada do futuro.

Na governabilidade, Pedro Nuno Santos parece ter recuperado o pé, encontrando uma expressão feliz para resumir a sua estratégia. O Expresso, aliás, escolheu-a para título esta manhã: “Não vamos criar nenhum impasse constitucional”, garantiu. Ora, tal permite ao PS fazer três coisas: não impedir o mais votado de tomar posse, conferindo-lhe respeitabilidade; não forçar o PSD a negociar com o Chega, mantendo coerência, e não prometer a aprovação de Orçamentos, preservando distância do outro maior partido.

A expressão é a correta pelo que chama ao “impasse”: constitucional, não político. E por uma razão simples: é que em outubro, quando se começar a debater a proposta de Orçamento do Estado para 2025, o Presidente da República já terá recuperado os seus poderes constitucionais para convocar novas eleições e o PS montar nova campanha, denunciando a ingovernabilidade ‒ ou radicalidade ‒ à direita.

É para esse calendário que Pedro Nuno está a olhar, e bem. Nesse cenário, Montenegro estaria diante de um dilema mais desconfortável do que o de hoje: ou quebrava a palavra e negociava o OE com André Ventura ou ia para eleições como aquele que preferiu ser rejeitado pelo PS a governar à direita. Ambas seriam equações políticas difíceis de solucionar, por exemplo, em novos debates televisivos. Seria repetir tudo outra vez, em menos de um ano e em piores condições. Como dizia esta manhã Rui Tavares, “dos miniciclos para os microciclos”.

O inusitado: de laboratório de políticas a laboratório de política

O porta-voz do Livre, que sobressaiu em 2022 nos duelos a dois, recuperou protagonismo político nos debates ‘com todos’. Esta manhã, confirmou-o. Numa resposta sobre a questão da governabilidade, Rui Tavares sintetizou a posição “clara” da esquerda como um todo e adicionou uma nuance ao cocktail de incerteza sobre o pós-10 de março. O leitor repare: “Imaginemos que a esquerda tem uma maioria de 110 deputados [sem maioria absoluta]. Sabemos que o Chega apresentará uma moção de rejeição. A direita [sem o Chega] vota a favor dessa moção?”.

Neste raciocínio, sem dúvida sofisticado mas não menos maquiavélico, Tavares dividiu o sistema político em três: a esquerda (toda), a direita democrática (AD e IL) e o Chega, desafiando a segunda a viabilizar uma governação minoritária da primeira, independentemente de quem ganhe as eleições. Traduzindo para as mentes mais sãs: se o PS perder e a esquerda não tiver maioria na Assembleia, mas a soma do PS com a esquerda for maior do que a soma da AD com a IL, a AD deveria viabilizar um governo mais-do-que-minoritário de Pedro Nuno Santos com os seus demais aliados ‒ incluindo, naturalmente, o Livre.

De um ponto de vista intelectual, a simulação até pode ser deslumbrante, mas na perspetiva democrática colocaria um problema maior: o PS poderia governar ganhando mas sem maioria (como Guterres), perdendo mas com maioria à esquerda (com a ‘geringonça’), ganhando e com maioria à esquerda (como em 2019), ganhando e com maioria absoluta (como Sócrates e Costa) e, na hipótese de Rui Tavares, perdendo e sem maioria, isto é, quase sempre.

Nos corredores do PS, diante das sondagens nada animadoras, já se testava um spin semelhante nos últimos dias ‒ curiosamente vindo de alas bem distintas. Coincidentemente, o homem do Livre veio hoje apresentá-lo no debate das rádios.

Convinha saber se Pedro Nuno Santos, em mais uma possível reviravolta, admite governar nesse cenário. E se o Presidente da República consideraria dar posse a um primeiro-ministro que, não só não teria ganho, como não contaria com uma maioria da sua área política no parlamento. Luís Montenegro, previsivelmente, fugirá do assunto a sete pés. Suspeito que os eleitores também.

O protagonista: o Presidente

Numa pergunta da experiente jornalista Judith Menezes e Souza, da TSF, foi finalmente colado em evidência o protagonismo redobrado que Marcelo Rebelo de Sousa terá no período pós-Costa da política portuguesa. O cenário de Rui Tavares surgiu, aliás, tanto como desafio ao Presidente da República quanto como pressão à direita democrática.

Aos leitores, deixo um dado para manterem presente ao longo deste ciclo político: se o próximo Governo sobreviver à viabilização e ao seu primeiro Orçamento, dificilmente conseguirá aprovar o segundo em vésperas de eleições autárquicas, exatamente as mesmas que provocaram a queda do segundo Governo de António Costa. Mas com uma diferença nada negligenciável: é que por essa altura, em 2025, o Presidente já não contará com poderes de dissolução, pois estará no semestre final do seu mandato. O partido que estiver no poder ficaria em gestão até depois das presidenciais de 2026, o que nos dá dois dados a reter: 1. as próximas presidenciais, como as legislativas, serão sobre governabilidade e dissoluções; 2. quem ganhar no próximo 10 de março deverá conseguir, pelo menos, dois anos de governação.

A sugestão:

A sugestão desta semana é menos musical do que o costume e vai para o podcast de entrevistas de Daniel Oliveira, colunista deste jornal, e para o seu episódio com António Leitão Amaro sobre o programa económico da AD. Uma belíssima conversa entre duas ótimas cabeças.

Até para a semana

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