A ação desta série de grande orçamento, que já leva três temporadas na HBO Max, começa na Nova Iorque de 1882, onde a ação dominante é o conflito que decorre da ascensão do dinheiro novo com as famílias do dinheiro de sempre, que não têm nem lugar nem paciência para os arrivistas. Ficaremos a perceber depressa que enquanto Eça de Queiroz andava a subir a descer o Chiado, os americanos milionários construíam mansões demasiado grandes nas ruas de Nova Iorque, numa exuberância que ajudou a criar um sistema económico e um país rico, a ponto de muitas décadas depois se fazerem séries como "The Gilded Age". A terceira temporada estreou há pouco na HBO Max, onde as outras duas também estão disponíveis.
Projeto antigo de Julian Fellowes, o mesmo criador de "Downton Abbey", "The Gilded Age" encontrou lugar para estrear na HBO, depois de ter sido deixada cair pela NBC, e aproveitou o vento favorável gerado por "Downton Abbey" (cujo tempo é o da Inglaterra entre 1912 e 1926), que foi um enorme êxito na América, fizeram-se filmes e tudo. Seria de esperar que "The Gilded Age", até por ser passado numa burguesia americana a tentar ser nobreza, num tempo importante no desenvolvimento do então jovem país, pudesse ter aceitação semelhante. Mas, por várias razões, não houve a mesma emoção, ainda que alguns tenham chamado a "The Gilded Age" uma prequela, uma consideração que é mais ferramenta de marketing que uma prova de rigor; estritamente as duas nada têm que ver uma com a outra, as histórias não se cruzam, os tempos da narrativa distam pelo menos duas décadas, a estrutura social é outra, até os sotaques contam e são bem diferentes.
Mas se não é a prequela, é uma espécie de prequela, o que irá dar ao mesmo. Tal como em "Downton Abbey” (disponível na Disney + e na Sky Showtime), acompanhamos a vida agitada dos extremamente ricos, sempre a vestir-se, a almoçar, a jantar e a preparar festas, enquanto contrabalançamos o divertimento com a existência extenuante dos criados e dos muito pobres que os servem.
Suponho que "The Gilded Age" perde por não termos uma enorme propriedade a ser protagonista, como acontecia com a enorme casa em "Downton Abbey".
Além disso, a primeira temporada é prejudicada por ter sido preparada e filmada durante o Covid-19, notam-se pontos fracos em alguns cenários gerados por efeitos especiais, a própria luz utilizada dá tons de folhetim sul-americano a certas cenas e os exteriores são reduzidos e contidos.
Mas "The Gilded Age" vale a insistência, outra vez por causa de magníficos atores e alguns personagens bem conseguidos (Carrie Coon, Christine Baranski e Cynthia Nixon), bem como pela curiosidade histórica de uma época de grande mudança.
Muita gente adora, delira, mergulha de cabeça quando se trata de séries de época, como estas produções onde os atores vestem roupas inacreditavelmente elegantes e os criados abrem a portinhola das carruagens a cavalo, dentro de um ordenamento que sugere uma era em que tudo seria mais simples, concreto e estruturado. Como nas séries de ficção científica, existe um escapismo inerente e confortável, sobretudo se a nossa imaginação nos leva para o lado certo: ninguém sonha em ser a criada que passava a manhã a descascar batatas, todos preferimos pensar que estamos a tirar a cartola e a cumprimentar uma bela dama que passeia acompanhado pela aia.
Haverá várias maneiras de refletir sobre o êxito das séries de época, passadas em tempos dos reis. Curiosamente, mesmo em tempos de tanta polarização é muito raro encontrar reflexões sobre a chamada história social e os mecanismos de evolução das sociedades, o que leva a crer que a vertente onírica e relaxante deste tipo de ficções (tal como "Downton Abbey", também "The Gilded Age" usa personagens de ficção em ambientes verdadeiros, com o ocasional personagem inspirado em personalidades reais) tem um apelo tão grande que as torna hermeticamente fechadas à política, às discussões sobre costumes, dinâmicas sociais e até à verificação de como afinal o mundo de hoje é muito melhor e mais justo que os tempos da sombrinha e dos criados de libré.
Devorando episódios, suspira-se com os vestidos, salões, leques e romances em câmara lenta e raras ou nenhumas vezes se constata que aquilo que vemos retratados eram mundos incrivelmente piores do que o que temos em 2025. A diferença entre os pouquíssimos privilegiados e as condições quase surrentas da maioria dos muitíssimos pobres no final do século XIX e princípio do século XX, deviam levar-nos a concluir de imediato que a Humanidade evoluiu em tanta coisa e também na melhoria geral das condições de vida de quase toda a gente, a começar no chamado pessoal doméstico – sem o qual nem "The Gilded Age" nem "Downton Abbey" teriam qualquer interesse.
A este propósito, a série "A Família Bellamy" / "Upstairs/Downstairs", que a RTP emitiu nos anos 70 e 80, começou por ser uma comédia sobre os serviçais na era eduardiana sem a presença dos ricos acima das escadas. Depressa os seus autores abandonaram a ideia, quando perceberam que sem o contraste entre patrões e empregados, a série pouco interesse teria.
Validado o entretenimento e o gosto de observar vestidos e fatos antigos, casas enormes e festas faraónicas, os enredos novelescos, as intrigas palacianas, observando mobiliário magnífico, objetos de decoração incríveis, as séries de época – quando fiéis à vida como ela era – também podem ser terapêuticas e ótimas oportunidades para saudar que vivemos num tempo em que os empregados domésticos já não são escravos, que têm de carregar tinas de água quente escadas acima e dormem em quartos sem aquecimento, sem perspetiva de subir em qualquer elevador social.
A este propósito, recomendo este livro: Not-Front Servants: Portrait of Downstairs.
"Belgravia" – Sky Showtime
Também de Julian Fellowes, baseada num livro que o próprio escreveu, começa na batalha de Waterloo, mas passa depressa para a Londres de meados do século XIX. Diacronicamente, é antes da era dourada, antes de "The Gilded Age" e "Downton Abbey", mas de certo modo temos os mesmos ambientes, os mesmos vestidos, as mesmas casas, a mesma lógica de criados e patrões, com uma trama mais nervosa e tensa. De novo os temas de mobilidade social, das transações entre o novo dinheiro dos comerciantes e as necessidades da nobreza falida, com um caso grave e muito específico a fazer a ligação nos seis episódios.