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Um documentário acerca de um Tubarão com 50 anos

“50 anos de Tubarão: A história definitiva dos bastidores” mostra como os efeitos especiais eram mecânicos
Nat Geo

É interessante meditar que aquilo que acontece hoje, amanhã, na próxima semana, ficará documentado e que no futuro poderão olhar e pensar sobre como vivíamos. Refiro-me a todo o tipo de assuntos, das demolições em Loures aos jogos-teste do Sporting, o debate do Estado da Nação, mortes, tragédias, prémios, celebrações, que são o presente e a atualidade e um dia serão arquivo.

A ideia que evoca nostalgia é mais clara quando no filme “Jaws @ 50” (na Disney +, traduzido para português como “50 anos de Tubarão: A história definitiva dos bastidores”), assim com arroba e tudo, temos vislumbres variados do que era a vida na América costeira em meados dos anos setenta do século passado. O extenso e detalhado documentário-homenagem dedicado ao filme de Spielberg – que por cá ficou conhecido (justamente) como “Tubarão” (e não como “Mandíbula” ou “Queixada”, como até podia ter sido) – tem essa imensa vantagem acrescida de podermos olhar para o passado através de imagens captadas nas filmagens e nos contextos em redor naquela altura, naquele sítio. Um dos pensamentos vai direto para a diferença entre aqueles Estados Unidos e o Portugal dos verões quentes a seguir à revolução. Na América, apesar de tudo, viviam-se os tempos da demissão de Nixon, do choque petrolífero, de dúvidas sobre o dólar, mas naquele verão em que o tubarão aparece em Amity (a vilória inventada onde tudo acontecerá), quase só se vê uma normalidade bastante próxima da atual, feita de veraneantes animados ansiosos por dias bem passados.

Para nós, no Portugal francófono dos setenta, os americanos não eram inteligentes, eram gordos porque comiam hambúrgueres e riam demasiado alto, mas ninguém diria isso depois de assistir a “50 anos de Tubarão: A história definitiva dos bastidores”, onde também se sublinha a confiança que os estúdios depositaram num jovem de 27 anos, chamado Steven Spielberg, que aqui ainda nem sequer realizou “Encontros Imediatos do Terceiro Grau”, “E.T.” ou “Salteadores da Arca Perdida”. Eram filmes guardados no seu e no nosso futuro.

“Jaws/Tubarão” continua a valer como obra. É perfeitamente possível ver ou rever o filme sem se achar que está gasto ou vencido pelo tempo. Este documentário lembra que a sua importância transcende o mérito artístico e vale como marco de uma era do audiovisual comercial, em que as proezas se afiguravam mais complicadas, desde logo os efeitos especiais eram mecânicos (como testemunhamos bem aqui), o tubarão são vários, feitos de armações de ferro, porcas, parafusos e geringonças várias. A arte do cineasta é conseguida na antecipação, na sugestão, no combinar dos trabalhos de câmara, edição e no mostrar como a música é decisiva para corporizar um terrível tubarão na mente.

Podemos puxar das metáforas, das alegorias, dos medos, terrores, da obsessão, de tanta coisa a partir do filme, como podemos recordar algumas trivialidades com ajuda do documentário, como a circunstância de muita gente passar a ter pânico de se meter no mar, até em praias amistosas e confortáveis. Com “Jaws”, o cinema ganhou a ideia de blockbuster, do filme de grande público, muitos bilhetes vendidos e montanhas de dinheiro para ser ganho se estreado numa determinada altura do ano. A música de John Williams, o trabalho dos atores, perceber que uma grande parte dos figurantes eram habitantes de Martha’s Vineyard (incluindo as crianças que agora vemos nas versões contemporâneas), os problemas em filmar dentro do mar, as peripécias com o tubarão-a-fingir, o imenso stress, os atrasos, o subir dos custos formam um conjunto que resulta num visionamento agradável, interessante e bem curioso.

Seja nos americanos propriamente ditos, seja porque as televisões americanas não largam o filão, a verdade é que há uma obsessão com tubarões desde que o filme o introduziu no imaginário pop. Houve vários filmes sequela, derivações mais ou menos pimba e continuam a ser produzidos centos de documentários acerca dos tubarões. Se os filmes mais espetaculares os transformam em terrores dos mares, os sérios (digamos assim) tentam sempre reconciliar-nos com a ideia de que este peixe de esqueleto cartilaginoso e corpo hidrodinâmico (diz a “Wikipedia”) é, afinal, bastante inofensivo, só algumas espécies atacam humanos, os ataques são raríssimos.

Cem por cento amistoso, “Jaws @ 50”, cunhado pela National Geographic, é celebrativo, detalhado, bem-humorado, com as devidas homenagens, incluindo aos cientistas que ajudaram Spielberg a compreender os tubarões e ao autor do livro em que se baseou a história, que tem alguma coisa de Moby Dick: também é história de um homem contra uma fera, que se tornará uma obsessão. Imagens inéditas, entrevistas atuais, num conjunto feito por um realizador que se percebe ter tido todas as autorizações de que precisava para fazer um documento francamente conseguido.

Colin Farrell está irreconhecível como Pinguim
DR

O trabalho imenso de caracterização para transformar o ator Colin Farrell em “Penguin”, um dos vilões canónicos principais em Batman, passou quase despercebida por vários ciclos de excitação. As contas fazem-se no fim e aparece agora com 24 (!) nomeações para os Emmy. Série vagarosa com oito episódios, é negra, sobre aquilo que o Penguin quis ser, o rei do crime, fosse qual fosse os caminhos a que isso levasse. Talvez seja melhor que Batman nem sequer apareça, a série nada tem de juvenil, nem é abonecada ou encantatória. São oito episódios para ir vendo devagar e com atenção.

Até para a semana.

Nota: a referência ao clima “pré-demissão de Nixon” não era exato: o ex-Presidente dos EUA demitiu-se em agosto e a rodagem decorreu entre maio e outubro de 1974. Nas salas. o filme estreou-se em junho de 1975.

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