Em junho de 2023, o submersível Titan, da empresa privada de viagens e passeios em submersíveis OceanGate, implodiu a caminho de uma expedição até aos destroços do Titanic, matando os cinco a bordo. Durante uns dias, o assunto dominou as notícias, desde o desaparecimento súbito à descoberta dos destroços e consequente digestão dos acontecimentos.
Em “Titan: A tragédia do submersível da OceanGate“ (Netflix) organizamos as memórias, assistimos ao que levou a que o Titan existisse, funcionasse e operasse, convencendo passageiros com muito dinheiro a fazer visitas às profundezas com o objetivo de verem os destroços do Titanic. A empresa e o seu propósito são escalpelizados e personalizados na figura do empreendedor Stockton Rush e, desde muito cedo neste documentário, compreendemos que os esquemas, subterfúgios e atropelos aos mecanismos certos foram tantos que se torna surpreendente que a viagem fatal tenha sido sequer possível.
Austero e tentando manter uma certa distância da exploração da desgraça que se vê rodear este tipo de acontecimentos que impressionam o mundo, no filme vamos seguindo devagarinho o expediente – e a vaidade do empreendedor – que levaria a tantos atalhos nos protocolos e procedimentos que só poderiam dar uma tragédia como a que aconteceu. Stockton Rush queria aparentemente ser mais um dos grandes, um Bezos ou um Elon Musk dos submersíveis, e assumia-o como assumia que não se conseguia ser grande sem se correrem riscos.
O problema dos mergulhos em profundidade é a pressão da água. Se os materiais não forem os certos, acontece o que aconteceu desta vez: a pressão esmaga o veículo. O Titan era em carbono e vinha dando sinais de que nem tudo estava certo na sua conceção. Haverá sempre riscos intrínsecos a este tipo de proezas, mas não deixa de ser surpreendente que uma das pessoas a bordo – uma das vítimas, portanto – fosse Paul-Henri Nargeolet, um veterano francês especialista no Titanic, com dezenas de visitas aos destroços. Não estaria ele avisado para o risco que era embarcar no Titan? Dir-se-ia que também ele foi enganado pelo entusiasmo e determinação de Rush, o CEO da Ocean Gate, que também pagou com a vida. As restantes três vítimas foram um inglês e um pai e um filho ingleses, de origem paquistanesa.
Bem filmado, com bom uso de imagens de arquivo, com descrições técnicas que se compreendem com relativa facilidade, o documentário é uma espécie de primeira parte de qualquer coisa que poderá surgir, nem que seja noutra plataforma. Aqui não vemos a excitação e o fervor nas buscas, as reações de aflição dos familiares, aquele conjunto habitual de emoções servidas em catadupa. É provável que a produção queira ter dado o episódio por completo a tempo de a Netflix o poder estrear por ocasião do segundo aniversário da tragédia.
No documentário aparecem alguns antigos funcionários da empresa. Descrevem uma cultura difícil e complicada, que censurava e afastava os que se atreviam em colocar em causa o CEO, mas não estão a dimensão do pânico, do horror e da tristeza.
Como se imagina, arranjar permissões, autorizações e obter o acesso a relatórios não é nem simples nem imediato. Assim “Titan: The OceanGate Disaster “acaba por ser mais centrado no Ícaro que se perdeu no fundo do mar do que na (falta de) ciência que levou ao desastre a milhares de metros de profundidade.
O assunto deverá manter-se na nossa atenção nos anos vindouros, existirão sempre novos tópicos a explorar. Por exemplo, não há ainda resolução na questão das seguradoras, nem houve indemnizações às famílias.
Sugestão 1
“Lockerbie – Search For The Truth” (SkyShowtime)
Série em cinco episódios, Lockerbie é também é o nome da cidade na Escócia onde caíram os destroços do avião da Pan Am dinamitado por uma bomba a bordo, que fazia o voo 103, entre Londres e Nova Iorque, naquele 21 de dezembro de 1988. Morreram 259 passageiros e tripulantes e ainda 11 no solo, em Lockerbie. Uma grande percentagem eram americanos.
Não demorou a perceber-se que fora um atentado terrorista a fazer o cair o avião. Descobrir-se-á que ia escondida num radio gravador Toshiba. O mundo era muito perigoso nos anos 80, os atentados terroristas com bombas eram frequentes, mesmo em Portugal, e as medidas de segurança risíveis quando comparadas com aquilo que viremos a ter. Nesta série britânica de boa qualidade, acompanhamos a saga pela busca da verdade a partir do esforço de Jim Swirle, um médico que perdeu a filha de 24 anos, que era uma das passageiras.
Fazer séries baseadas em grandes tragédias a partir do ponto de vista de um herói solitário costuma ser meio caminho andando para nos prender a atenção, mas a tendência para o melodrama é grande e muitas vezes só com bons atores é que se consegue manter a tensão necessária à credulidade. E bom ator é aquele que nos serve o personagem sem se anular. Em duas palavras, Colin Firth. Felizmente temo-lo aqui a fazer de Jim Swirle, em “Lockerbie – Search For The Truth”.
Valerá a pena seguir a saga de Swirle/Firth nas suas várias tentativas de não deixar o assunto cair no esquecimento, procurando justiça para a sua filha e restantes vítimas. A série, que parte de um livro do próprio Swirle, serve uma determinada tese sobre os culpados. Aqui há uma versão bastante completa das narrativas acerca do atentado e das sucessivas diligências em busca dos responsáveis. Talvez seja só de ler após o visionamento da série.
Até para a semana.