Boa tarde,
Uma série é um compromisso. Podemos pensar que é uma ação em que apenas nós (o espectador em modo preguiça) beneficiamos, mas existe um preço que pagamos chamado “atenção”. A «atenção» é um bem escasso como se sabe, para mais num tempo em que temos mais dificuldades na concentração, existem milhentos estímulos e temos uma quilometragem de ficção que alguém há dez ou vinte anos não tinha. Há séries mais fáceis de ver que outras, como qualquer um poderá atestar, como há pessoas melhores a cumprir compromissos do que outras.
“The Better Sister” (Prime) abusa da nossa “atenção”. Como faz “Smoke” / “Fumo” (muito recente na Apple TV+). São séries com vários episódios, com as pecinhas a avançar devagar. No primeiro caso, uma mulher com tudo certo fica viúva quando o marido é assassinado à facada. Depressa percebemos que essa mulher aparentemente certinha casou afinal com o antigo marido da irmã, tendo adotado o filho de ambos. E quem surge em cena, vinda do nada? Essa irmã meio destravada, que ficou sem marido e sem filho porque era uma adicta. Como se intui, a irmã certinha não é completamente certinha e o filho/sobrinho poderá estar envolvido na morte do marido/pai. A série, estrelada por Jessica Biel, apresenta uma premissa razoável, só que depois enrola-se como o mar na areia, tornar-se-á complicado manter o compromisso.
Já em “Smoke”, que acabou de chegar à Apple TV+, um investigador de incêndios e uma agente da polícia investigam fogo posto. Saberemos no primeiro episódio que a polícia tem um caso com um homem casado. A coisa não corre bem e somos prendados com passeios da agente na praia com música melancólica. Já ele parece mais descontraído, menos complexo, mais virado para o sentido prático. Não é logo claro em que consiste a série, o primeiro episódio não é daqueles que apetece ver o segundo de imediato. Temos de ter ”atenção” durante mais tempo do que talvez julgaríamos. Mas vale a pena.
Se “The Better Sister” se expõe muito nos primeiros episódios, em “Smoke” (que é de Dennis Lehane, o criador da extraordinária “Black Bird”, também na Apple TV+, e dos livros que deram origem a “Mystic River” e “Gone, Baby, Gone”, entre outras obras de muita qualidade), as coisas levam mais tempo. Tanto o investigador como a agente problemática andam às apalpadelas, até que se começa a compreender que talvez estejamos na pista de incendiários em série, metódicos, profissionais. “Smoke” é baseado num podcast acerca de um ‘serial arsonist’ (um incendiário em série), um criminoso da vida real que terá ateado mais de dois mil fogos, mas segue uma pista própria, como se entenderá.
“The Better Sister” é feita a partir de um daqueles livros que se leem entre a hora de almoço e a hora de jantar e é, mais que tudo, um veículo para vermos como Jessica Biel está em forma (contem o número de roupas que ela usa só para nos mostrar os braços torneados). A outra estrela, Elizabeth Banks, mal consegue respirar. Entre estas duas séries, dependendo da fase em que se está, ou numa de compromissos sérios e um pouco difíceis e morosos ou mais fáceis e atabalhoados, é fácil de perceber qual é qual – ainda que nos dois casos os argumentistas tenham trabalhado a sério.
Sugestão 1
“Sally” (Disney+) conta-nos a história de Sally Ride, a primeira americana no espaço, que morreu em 2012, vítima de cancro. Ride era reservada, determinada, bonita num modo aristocrático, contida e claramente brilhante. Veremos imagens do seu percurso no ténis em criança e depois em formação na NASA, desde finais dos anos 70, onde queria estar para poder ir para o espaço. Inteligentemente, e porque houve tempo e dinheiro, algumas das situações de juventude e infância são recriadas no documentário, mas mal damos pelo artificialismo. O que parece ser uma história cândida de um sonho, que levará a engenheira física Sally Ride ao espaço em 1983, é mais qualquer coisa. Se não estivermos totalmente distraídos, saberemos pela sinopse que Sally Rice levou consigo um segredo a vida inteira: era homossexual. O documentário será narrado pela sua parceira, devidamente autorizada por Sally poucos dias antes de morrer. Ao contrário do que sucede múltiplas vezes, em “Sally”, é a contenção que fala connosco. No fim, delicado e sóbrio, sem preocupações de ruído com bandeiras e causas, o documentário agride-nos: como é possível ter-se vivido num mundo tão intolerante durante tantos séculos que obrigue uma mulher numa sociedade aberta a esconder aquilo que sente? Sally Ride trocou a defesa da sua privacidade pelo sonho de poder ir ao espaço, certamente a custo. O mínimo que podemos fazer é conhecer a sua história.
Sugestão 2
“Doktrinen” / “8 Meses” (Filmin) é uma série sueca sobre política, palavras que serão suficientes para uma certa elite portuguesa ir a correr clicar no ‘play’. Com “Borgen” viram uma primeira-ministra que até tratava da roupa, aqui têm uma assessora que é manipulada (pelos maus) para derrubar um ministro. O presente que terá por essa missão jornalística cumprida na perfeição é um convite para ser assessora do novo ministro, um tipo simpático, sedutor, que parece esconder alguma coisa. Em causa, a questão com a Rússia em ambiente de guerra com a Ucrânia… Em “8 Meses”, uma certa iluminação, a querer lembrar película, e a câmara ‘shaky’, a dar sentido de urgência, ajudam a construir um conjunto, mesmo se é difícil compreender as motivações de todos os personagens. Podemos observar os ambientes nórdicos, o lado caseiro, as dinâmicas de poder, as fragilidades de se estar apaixonado, a manipulação, outra primeira-ministra, assessores, enfim, tudo o que uma certa classe gosta e julga conhecer.
Até para a semana.