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“A Agência” é uma série à la Le Carré. Se fosse de um dos streamers grandes, andaria meio mundo a falar dela

Richard Gere (à esq., em pé), Jeffrey Wright (ao centro) e Michael Fassbender (à dir.) em “A Agência"
Luke Varley/Paramount+Showtime

O spy show com forte dimensão de political thriller (passe a quase redundância…), não foi inventado por causa de John Le Carré, mas estou certo de que concordarão que o seu nome nos remete imediatamente para esse mundo que julgamos conhecer como a palma da mão. Segredos, governos, agentes secretos, leis a serem pisadas, mulheres atraentes a seduzir políticos estúpidos e corruptos e heróis que sabem manusear qualquer pistola e conduzir qualquer automóvel, moto, barco ou helicóptero são um pão nosso de cada dia apreciados por muita gente.

Graham Green e o próprio Ian Fleming também assinam esses mundos, mas aquele jeito de Le Carré, cheio de traições e jogos duplos, triplos e quádruplos, é muito particular e muito ajustado a ser adaptado ao cinema e a televisão. Os livros e os filmes (e séries) que fomos vendo a partir da sua obra, habituaram-nos a um fortíssimo foco na dimensão moral (quebrada, falhada ou rigorosa) dos personagens, porque uma coisa é um espião, outra bem diferente são espiões com carácter e falta dele.

Falando por mim, um political thriller é irresistível. Dos mais recentes, “The Agency“ (na SkyShowtime) é o de maior ambição, o que se nota pelo elenco e pelos profissionais envolvidos – George Clooney é um dos produtores, o realizador Joe Wright assina alguns episódios e o argumento é assinado por uma dupla de muito peso. Feita a partir do original francês “Le Bureau des Légendes” (cinco temporadas, sendo a primeira de 2015), o argumento começa de forma clara.

“Le Bureau des Légendes” tem cinco temporadas. A primeira estreou-se em 2015

Um agente (o ator Michael Fassbender) deixa um país africano, onde encarnava uma identidade especifica, e volta a casa, a Londres, à sede da CIA em território britânico. Para trás deixa a missão de alguns anos e uma mulher lindíssima. Era parte da missão ou era assunto do coração? Não demoraremos a saber mais, quando ela aparece inesperadamente em Inglaterra. Será também uma espécie de agente secreta ou uma mulher apaixonada, capaz de tudo? E porque é que a própria CIA está a seguir o nosso herói e instalou microfones pela sua casa? E que quer aquele segurança africano que ronda o casal?

Noutros assuntos, Richard Gere (o chefe da delegação) e a equipa têm de se haver com um agente que desaparece na Ucrânia. Desertou? Foi raptado? Morreu? Pelo meio aparece Hugh Boneville (o de “Downton Abbey”), o manda-chuva dos espiões ingleses. Que quer ele daquilo tudo? E qual o motivo para ter aparecido uma psicóloga de meia-idade que tenta fazer terapia em movimento aos espiões, enquanto estes veem imagens de drones a milhares de quilómetros à procura de infiltrados?

Em “The Agency”, o inimigo volta a estar a Leste, a invasão da Ucrânia pela Rússia, auxilia o contexto e dá gás à trama. Desde o 11 de setembro de 2001 que os argumentistas não têm de se esforçar demasiado para que o público compreenda que é sempre a segurança do mundo que preocupa estes personagens. Felizmente, na boa ficção nunca é esquecida a lógica paroquial dos assuntos. Em “The Agency”, essa dimensão é o que liga tudo.

As plataformas de streaming têm subido a parada nos cenários e figurinos e em “The Agency” por vezes parece que estamos a ver uma série de estilo, moda e imobiliário. Os personagens habitam casas espantosas, têm secretárias de design, vestem-se como modelos da Vogue. É a típica série que veríamos na Netflix e de que se falaria imenso (porque é a plataforma que mais gente assina), que quase parece escondida por estar na SkyShowtime, mas tomáramos nós ter mais produções desta ambição. Vi os três primeiros três ou quatro episódios quase sem respirar. Para meu agrado, não há demasiados personagens, seguimos bastante tempo com os principais Gere, Fassebender, Jodie Turner-Smith, Jeffrey Right (e até a excelente Harriet Sansom Harris). Fassebender tem cara, corpo, expressões, cabelo, tudo, para ser alguém com uma vida secreta. Vimo-lo há pouco tempo a fazer de assassino a soldo hiper competente em “The Killer” (Netflix) e aqui seguimo-lo por toda a parte – é ele que vai viver o principal eixo narrativo. Inteligentemente, os plots secundários são apropriados e não se investe em historietas terciários que muitas vezes só atrapalham.

Acabei “The Agency” em poucos dias, devorando os dois últimos episódios com o mesmo afã que dediquei aos primeiros. Pelo meio, e inevitavelmente, alguma palha, compreensível e aceitável, fazer televisão é muito caro, mais vale produzir dez episódios que cinco ou seis. Ao contrário do que sucede em séries de espionagem, que comprometem complexidade em nome de um vencedor que agrade ao público, em “The Agency”, o final é francamente bem resolvido e ficamos com a sensação de ter visto uma série que toda a gente deveria ver, quem perde são os distraídos. Sabemos logo que haverá uma segunda temporada, venha ela o mais depressa que for possível.

Interessante notar que “The Agency” seja uma versão anglo saxónica, moderna e mais estilizada do original francês,“Le Bureau des Légendes” (cinco temporadas, a primeira é de 2015). Se estiverem doentes ou sem vontade de enfrentar o mundo, aconselho vivamente maratonas desta versão que também está na SkyShowtime. Passear pelas ruas de Paris e ouvir o francês é um bónus de enorme valor.



A atriz Nicole Kidman, em cena na segunda temporada de “Nine Perfect Strangers"
Prime Video

“Nine Perfect Strangers” (Prime Video)

Em modo “The White Lotus” (os ricos, as suas neuroses e perversões…), a segunda temporada de “Nine Perfect Strangers” chegou à Prime. Desta vez, a ação decorre num resort na neve, na zona austríaca dos Alpes. Nove estranhos com problemas e vontade curar a alma concentram-se no mesmo hotel luxuoso. Um dos personagens é interpretado pelo gerente do hotel da primeira temporada de “The White Lotus” (Murray Bartlett) e é uma bela ideia: é um apresentador de programas de crianças e ventríloquo que procura a paz interior e o apaziguamento dos seus demónios.

Dramática, misteriosa, bem-humorada, acresce a vantagem de ter Nicole Kidman como guru do bem-estar a liderar um ótimo elenco. Poucos resistem a uma história com ricos que decorre no mesmo sítio, assim quase ao jeito Big Brother.

Se não viu a primeira temporada, comece por aí.

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