Ninguém gosta de ricos, nem sequer os outros ricos e aparentemente ainda menos gente gosta de Meghan Markle. Há poucos anos, Meghan e o marido, o príncipe Harry, foram contratados pela Netflix para desenvolver projetos. Se os Obama podem e fizeram o mesmo, Megan e Harry não são menos que eles e por cem milhões de dólares (!) se fez a parceria que tem estado a correm bastante mal.
A Netflix estará pelos cabelos e diz-se que a sociedade pode não ser renovada lá para o final do ano, o que será aborrecido no mínimo, depois da associação do casal com a Spotify ter fracassado. Parece que o plano para tornar Meghan (que era atriz, recorde-se) numa estrela tipo Oprah carece de uma revisão de alto a baixo. A ideia de colar pessoas com este tipo de notoriedade a produtos de televisão é uma maneira de ter marketing gratuito a cada lançamento. Toda a gente haverá de falar disso, como sucedeu quando apareceu a minissérie documental “Harry & Megan”, que foi um êxito e fez o seu caminho a partir da notoriedade dos duques de York.
Supostamente, pensou-se, tudo onde tocassem iria luzir como a estrela de Belém. E assim, sem que o mundo abanasse, foi libertada em dezembro na Netflix a série documental desportiva “Polo”, sobre equipas, incidências e protagonistas do desporto equestre em que se tenta meter uma bola numa espécie de baliza, com um taco. “Polo” faz parte do pacote Meghan & Harry, mas ninguém parece ter notado, tanto que a série já está a ser enterrada para as caves e subcaves da Netflix.
Na esmagadora maioria das contas, nem aparece nos menus da página principal.
Distraído pela travessa de coscorões no Natal, vi três episódios de enfiada ainda sem saber que havia mão real dos duques e gostei na medida em que gostamos de ver coisas que não têm nada a ver connosco, com o que somos e com as nossas referências. Gostei genuinamente devo dizer.
Extremamente bem filmada e ritmada, “Polo” remete para um mundo afluente de um desporto que nunca tinha percebido em que consistia até agora. São quatro jogadores por equipa, que mudam de montada várias vezes e tentam meter a bola entre dois pinos. A elegância de cavalos e cavaleiros e a competência das equipas de produção mostra bem porque o Polo é considerado um desporto de luxos.
Ao mesmo tempo, e a exemplo de séries análogas, temos acesso às peripatéticas mães e namoradas milionárias, a casas enormes e ao mundano milionário que também entretém em doses curtas. Pelos vistos, fui dos poucos no mundo inteiro a ter gostado desta produção que foi ideia de Harry e na qual tanto o príncipe como a princesa aparecem ligeiramente num dos episódios.
Talvez seja escusado lembrar, mas Harry e Meghan não têm verdadeiramente de fazer nada a não ser lançar dois ou três comentários vagos e apoiar em público aquilo que é lançado. Os príncipes não terão gostado de “Polo”, ou aconselhados a ficar caladinhos, já que nem Meghan, nem Harry, nem muita gente, sequer promoveu ou falou de “Polo” nas redes sociais.
Os próprios jogadores-cavaleiros não andam por aí a puxar pela série, o que é estranho e elucidativo da falta de crença naquilo. Por mim, acho que os príncipes foram mal orientados e deveriam estar a apoiar “Polo” – basta ler as críticas para cheirar ao longe o ódio aos milionários príncipes armados em produtores de conteúdos. As generalidades escritas sobre os protagonistas são irrelevantes, enquanto objeto televisivo “Polo” é irrepreensível. Se eu tivesse de apostar, diria que o mundo é injusto e que a principal fraqueza de “Polo” é estar associada a Meghan, uma das grandes vilãs modernas. Se fosse um projeto de alguém de quem se gosta e de quem é fácil gostar, quero crer que os juízos seriam outros.
O fracasso está a deixar muita gente feliz, porque odiar os ricos, o “privilégio” e poder odiar ainda por cima Meghan e Harry faz bem e alivia as dores de costas. Nada como sinalizar virtude. Para quem tem alguma curiosidade em saber em que consiste este desporto, é uma excelente porta de entrada. Quem se quer distrair da vida que tem, teve e terá, idem, até porque, lembre-se, ninguém no escrit´roio saberá se andou a espreitar “Polo”…
Insisto, não há nada de errado em “Polo” que não esteja errado (ou certo) noutra série de desporto que a Netflix tem apresentado nos últimos anos, a não ser Meghan, que corre o risco de a série de culinária e cozinha que anda a preparar nunca vir a estrear. Nem os ricos têm vida fácil. Sugestões.
Sugestão 1: “Ripley”
Por falar em ricos, para quem tem algum tempo nestes dias, é de lembrar que a magnífica série “Ripley” (Netflix) é suficientemente curta para ser vista em duas ou três tardes. Adaptação de uma das maiores criações da literatura policial – Tom Ripley, o anti-herói da escritora americana Patricia Highsmith – é uma esplêndida peça de ourivesaria televisiva em oito episódios onde o ressentimento para com os ricos é o motor potente de todas as engrenagens.
Exemplo de slowburn, mais parece um filme grande e prolongado, concebido de uma forma assumidamente artística, com a inteligência de não perturbar o ritmo da narrativa. Para quem conhece a obra de PH, esta primeira iteração diz respeito a “O Talentoso Mr. Ripley” – como o filme com Matt Damnon, de 1999. Já conhece, já viu?
Reveja, porque uma das grandes vantagens da era que vivemos é a prática da arte do rewatch. Depois de ter salivado durante anos e de finalmente a ter visto na estreia, revia-a no final deste 2024 e fiquei novamente rendido àquela leitura do personagem de Tom Ripley.
Amoral, esperto, inteligente, expedito, trapaceiro, assassino, é impossível não ficar do seu lado e esperar que se safe sempre.
Sugestão 2: “Rivals”
Já na plataforma Disney +, está a magnífica “Rivals”, uma série britânica baseada numa coleção de livros (mais ou menos de literatura light) de Jilly Cooper, onde os ricos e as suas manias sexuais – bem como as dos que gostavam de ser ricos - são as grandes estrelas. Meio farsa, meio comédia dramática, “Rivals” mostra tudo e está cheia de ricos e excessos, vilões, cupidez, anjinhos, sexo, humor e traições. Decorre nos anos oitenta na Inglaterra, tem as casas e os automóveis a condizer e é uma daquelas séries que se descobrem com imenso gosto e onde se pergunta “como é que eu não vi isto há mais tempo?”.
Até para a semana.