Observatório da Minoria

Montenegro, Mark Twain, Pedro Nuno e o erro de fazer uma campanha sobre a Spinumviva

A queda foi grande, garantiu-me uma fonte do PSD com quem falei há dias: nas sondagens internas, alegadamente, a AD estaria com oito pontos de vantagem face ao PS antes desta crise relâmpago, mas com ela a vantagem terá caído para apenas três pontos. Isto vale o que vale e, honestamente, nesta altura vale nada: nenhum político consciente tomaria a decisão de enviar o país para eleições com base em dados que mudaram radicalmente.

Como explicará qualquer especialista em sondagens, nos momentos de crise abrupta as sondagens que contam são as que fazem as entrevistas de campo depois de tudo acontecer – neste caso depois de ser oficial a queda do Governo. Só aí os portugueses começam a fazer o seu julgamento sobre o comportamento de cada um dos líderes. Essas primeiras sondagens ainda não apareceram (o Expresso e a SIC terão uma no final desta semana), mas por agora, com o que sabemos, vale a pena reter apenas duas coisas:

  1. A imagem de Luís Montenegro saiu, de facto, prejudicada com a Spinumviva;
  2. Isso não significa, de todo, que este seja o fim do ‘montenegrismo’ – ou pelo menos que o atual primeiro-ministro esteja destinado a perder as eleições de 18 de maio.

Hoje, neste Observatório da Minoria, vou por aqui.

O que Montenegro perdeu

O “bom nome” é o bem mais precioso de qualquer político. Há quem prefira chamar-lhe imagem, eu prefiro o “bom nome”. Luís Montenegro cuidou dele desde que chegou ao Governo. Apareceu sempre que havia boas notícias (ou anúncios) a fazer, desaparecia em momentos de maior polémica, evitava as perguntas dos jornalistas, deu apenas uma entrevista (até à da TVI na semana passada), a uma boa jornalista em quem depositava confiança. Desafiando as leis não escritas do século XXI, Montenegro decidiu fazer ‘à Cavaco’, ignorando o turbilhão noticioso, ou das redes sociais, ou dos comentadores. A aposta teve resultados nos inquéritos de opinião – mas só funcionou a seu favor até ao momento em que as respostas que lhe eram exigidas eram sobre ele próprio. Nesse momento, Montenegro também fez ‘à Cavaco’ e correu mal.

Já me debrucei sobre o que Montenegro fez mal em todo este processo aqui, pelo que não me alongo. Limito-me a citar João Miguel Tavares sobre o padrão das respostas do primeiro-ministro, agora na sequência da última manchete do Expresso, mas igual sempre que se fazem perguntas sobre ele:

Nas declarações que fez após a notícia, o primeiro-ministro utilizou o padrão habitual, que não pode deixar ninguém descansado. 1) Vagas alusões a cabalas – “Eu sei que há tentativas de reeditar notícias antigas e requentadas.” 2) Garantias de honorabilidade – “Eu estou muito à vontade, muito tranquilo, cumpri sempre as minhas obrigações.” 3) Explicações dúbias ou pequenas mentiras – “Eu entreguei toda a documentação que me foi pedida, não vale a pena estarem a deturpar as coisas.”


Se não sabemos ainda o que acontecerá nas eleições, a única coisa que vale a pena reter das sondagens já publicadas é que esta estratégia de Montenegro não o ajudou em nada. Vale a pena reter aquilo a que os estudiosos e especialistas chamam de “dados qualitativos” desses estudos. Eis o que eles nos dizem:

  • No caso da Pitagórica, que entrega os dados à CNN, Jornal de Notícias e TSF, as opiniões sobre Montenegro caíram cinco pontos numa semana, igualando as opiniões negativas e positivas. Sendo o primeiro estudo a ser publicado, percebe-se que os inquiridos ainda estavam a formar opinião sobre o caso: 55% diziam que um chefe de Governo poderia ter uma empresa, mas 59% consideravam que os seus clientes poderiam sair beneficiados; 43% viam crime nas ações do primeiro-ministro, 39% não. Ainda assim, ficava claro que as explicações de Montenegro tinham sido insuficientes até à altura: 59% vs 36% que as achavam suficientes.
  • Na sondagem da Intercampus, feita para o Jornal de Negócios e Correio da Manhã, a popularidade de Luís Montenegro cai de 3 para 2,7 (a escala é de 0 a 5), enquanto os seus adversários mantêm posição. 45,2% dos eleitores consideram “muito grave” a sua situação, ao passo que 44,4% diziam mesmo que se devia demitir (vs. 41,3% que poderia ficar à frente do Governo). Neste caso, a polémica dá sinais de ter afectado a imagem do próprio Executivo, que merecia nota positiva apenas para 22,9% dos inquiridos.
  • Na Aximage, que fez a sondagem para o Diário de Notícias, ficava ainda mais clara a imagem mais escura do Governo: só 30% dos inquiridos se diziam satisfeitos com as explicações do primeiro-ministro, sendo que o próprio eleitorado da AD se mostrava dividido – com 41% desses eleitores a manifestarem desagrado com os esclarecimentos dados. Quanto à comissão de inquérito proposta pelo PS, só 26% a viam negativamente. A responsabilidade da crise recaía, por consequência, mais sobre o Governo (45%) do que sobre a oposição (23%).
  • Por fim, o estudo da Consulmark2, para o Nascer do Sol e Euronews, mostrava que o caso Spinumviva tinha sido mal gerido por Montenegro (só 27,3% validava as explicações) e era apontado como decisivo na escolha do voto para 17,3% dos eleitores – apenas atrás de temas como a Saúde, Habitação e Educação. Mas 46,8% garantiam ainda não ter decidido em quem votar.

O fator Mark Twain

Claro que nunca é bom para um político partir para eleições com tamanho peso sobre a sua imagem. Mas este é o momento para lembrar que a campanha só agora começou e que este não será o único fator a pesar na escolha dos portugueses. Das sondagens que lhe referi, por exemplo, resulta claro que, reprovando o comportamento ético do primeiro-ministro, a maioria dos portugueses tem outras preocupações antes dessa e que muitos dos que condenam o comportamento de Montenegro não queriam, necessariamente, a sua saída.

Mais relevante, porém, é reter um alerta feito por Pedro Magalhães no final da semana passada. Diz-nos ele, com base em estudos académicos que analisaram várias eleições em diferentes geografias, que as “suspeitas de falhas éticas por parte dos políticos ou, para irmos mais longe, até de corrupção, têm um efeito eleitoral menor do que poderíamos pensar.” Eis a explicação dele:

“Uns eleitores olham para a informação disponível com lentes partidárias, aceitando-a apenas quando é congruente com as suas preferências; Outros acham que, no fundo ‘são todos iguais’. Outros que, apesar de tudo, ‘ele/a faz’.”


Citando dois estudos, o alerta não nos diz – claro – que uma acusação de falhas éticas seja benéfica para um candidato. Mas acrescenta que isso não é “necessariamente” danoso: “Na maior parte das vezes, a corrupção fica impune nas urnas”, concluem Catherine de Vries e Hector Solaz. Se lembrarmos o que tem acontecido na Madeira, talvez seja mais claro, A região autónoma vai para as suas terceiras eleições em três anos, com Miguel Albuquerque e vários membros do seu Governo constituídos arguidos por questões bem mais sensíveis do que aquelas que recaem, até hoje, sobre Montenegro. Há um ano, já a braços com a Justiça, Albuquerque perdeu uns pontos, mas resistiu com larga vantagem sobre o segundo. Agora, a última sondagem indicia que pode melhorar esses resultados.

O que Pedro Magalhães nos diz é que devemos ter em conta o velho adágio de Mark Twain, provavelmente o mais usado na análise política. As notícias da morte política de Montenegro são manifestamente exageradas, sobretudo se somadas a outros indicadores: a economia só pesa em eleições quando é negativa – o que não é o caso hoje; e o elemento que tem sido mais determinante na mudança de governos é o fator tempo, que ainda ajuda a AD: “Quanto mais tempo passa, pior as pessoas pensam deles. Parece que temos uma tendência para dar mais importância ao que corre mal do que ao que corre bem e, ao longo do tempo, a acumulação de desilusões pesa”, escrevia Pedro Magalhães, concluindo que, estando apenas há um ano à frente dos destinos do país, “o governo não parte em más condições para esta eleição”.

O que ainda não mudou

Não diria tanto, porém, como o Pedro Magalhães. Se as questões éticas não provocam, muitas vezes, mudanças de Governo, a verdade é que, há um ano, a AD ganhou mesmo por poucos votos. Mais: se um ano no Governo não chega para virar os ventos de mudança, menos de um ano no poder também não chega para mostrar resultados. Mantenhamos, apenas, todos os cenários em aberto.

O que retiro daqui, sim, é que Pedro Nuno Santos cometerá um erro se fizer da Spinumviva o centro da sua campanha – ou mesmo do debate que terá com Montenegro. Lembre-se que, nas sondagens, os portugueses têm lembrado temas a que dão mais importância – como o SNS, habitação e educação. E, mais importante, registe como a queda de popularidade de Montenegro não teve reflexo numa subida do líder socialista. Pior, aliás: Pedro Nuno Santos continua a aparecer abaixo de Montenegro nas perguntas sobre quem poderá ser melhor chefe de Governo.

Sim, a gestão desta crise política foi um desastre para Montenegro. E sim, a moção de confiança não só foi colocada pelo Governo, como foi espoletada pela empresa da família Montenegro. Mas isso de nada servirá a Pedro Nuno se partir para as eleições com a desvantagem que tinha nas últimas legislativas: estava atrás em competência (41% versus 33%), honestidade (41% contra 28%) e confiança (43% para Montenegro e 32% para Pedro Nuno). Como dizia por estes dias um especialista em marketing político: não faltará quem fale da Spinumviva durante os dois meses que se seguem, Pedro Nuno tem de se apresentar como um primeiro-ministro.

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