Observatório da Minoria

Caro Almirante, agradeça-lhes (a Pedro Nuno, ao secretário de Estado, ao Arruda e ao Bloco)

Viva,

que semana animada: temos Pedro Nuno Santos e a entrevista ao Expresso, temos um membro do Governo que abre empresas depois de tomar posse, um caso de malas roubadas por um deputado e um tardio pedido de desculpas no Bloco, por despedir mães de recém-nascidos.

Vamos por partes?

MIGUEL A. LOPES

O que Pedro Nuno fez

Percebo que o PS tivesse de se reposicionar no tema da imigração. Seja porque o seu candidato presidencial preferido é mais moderado no tema, porque muitos candidatos autárquicos o pediam, porque a maioria do eleitorado socialista pelo país não pensará como muitos dirigentes – ou simplesmente porque Pedro Nuno tem essa convicção. Mas aqui temos, desde logo, um problema: um líder do PS é, por definição, transitório. E uma posição sobre um tema tão relevante hoje como a imigração não se muda da noite para o dia, como um mero outdoor publicitário. Pense nisto: se o partido fosse uma marca, qual seria a sua identidade hoje?

Não tinha de ser assim. O mea culpa podia e devia ter sido feito, sim, mas sobretudo pela falta de condições aos imigrantes para se regularizarem na AIMA (não haverá um português que não concorde); a sinalização de mudança podia ter vindo sobre a forma de proposta ao Governo, para encontrarem um consenso que permitisse desbloquear o problema que Montenegro criou (travando meios de regularização e abrindo a porta à ilegalização de muitos); a questão cultural, essa, devia ter sido limitada ao básico – todos, todos, temos de cumprir o que está escrito nas leis.

Bastava isto. Mas Pedro Nuno foi muito mais longe, caiu em muitos equívocos – muito bem explicados neste texto de Rui Pena Pires no Público. Com isso abriu uma fratura muito complicada no PS. E deixou no ar uma dúvida inquietante: se vêm aí os Estados Gerais, para discutir propostas e preparar o PS para eleições, a imigração fica de fora porquê? Como dizia (e bem) Alexandra Leitão: temas como este devem discutir-se com base em dados, em factos. Não foi o que aconteceu no PS.

O que Montenegro não está a fazer

Enquanto isso, enquanto Luís Montenegro celebra o recuo socialista na imigração, o Governo enterra-se num estrondoso silêncio sobre um sério problema ético: o secretário de Estado do Urbanismo que abriu duas empresas imobiliárias já depois de tomar posse. Dizem alguns que é legal, explica-se no Governo que foi transparente e declarado. A desculpa não colhe: a lei dos solos está aí, foi preparada naquele mesmo ministério e – ainda que não fosse – ficaria sempre a pergunta: e se fosse Luís Montenegro, podia?

Nos dois anos de maioria absoluta do PS, Montenegro fez da questão ética e moral o alfa e o ómega do combate político a esse Governo. Foram casos e casos, uns mais graves do que outros, mas em nenhum Montenegro deu folga a António Costa. Hoje, não tem margem política para proteger alguém.

Tudo isto podia ser resolvido com um mero dever de consciência. Mas, se isso falha, terei de recorrer ao Código de Conduta que o próprio Montenegro aprovou para o seu próprio Governo. O artigo 6º é sobre “conflitos de interesses”. E diz o seguinte:

“Considera-se que existe conflito de interesses quando os membros do Governo, ou os membros dos gabinetes, se encontrem numa situação em virtude da qual se possa, com razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão, nos termos dos artigos 69.º e 73.º do Código do Procedimento Administrativo.”


Se o primeiro-ministro, ainda assim, tiver dúvidas, com razoabilidade, sobre se pode estar em causa a “imparcialidade” do secretário de Estado quando decide sobre matérias que impactam na sua nova empresa, o mesmo decreto determina que pode o Primeiro-Ministro solicitar aos serviços competentes a emissão de parecer sobre a eventual existência de conflitos de interesses”. Em todo o caso, a responsabilidade neste caso é indiscutivelmente de Montenegro e não do ministro, porque o Código de Conduta obriga o secretário de Estado a comunicar diretamente ao chefe de Governo um potencial conflito de interesses e responsabiliza o primeiro-ministro por uma decisão. É o que diz, de forma clara, o artigo 5º:

"1 - O incumprimento do disposto no presente Código de Conduta implica: a) Responsabilidade política perante o Primeiro-Ministro, no caso dos membros do Governo"

Esta terça-feira, o primeiro-ministro ficou em silêncio. Cada dia que passa é um tiro na credibilidade do Governo.

O que trazem a malas de Ventura…

À direita, a um mês de entrar na campanha para Belém, André Ventura sentiu na pele o que anda a dizer de outros. Bandido, ao que suspeitam as polícias, é mesmo o homem que ele escolheu para deputado pelo Chega. E não, nem empurrar Miguel Arruda para independente é novo ou melhor do que os outros: Montenegro fez o mesmo com um deputado por Aveiro quando este foi constituído arguido pelo Ministério Público.

É escusado apontar o dedo à hipocrisia do Chega, ou sequer pensar que o caso tirará muitos votos ao partido. O efeito mais negativo que o caso das malas coloca a Ventura é tornar mais difícil o recrutamento futuro do partido, seja para autárquicas, seja para as legislativas que se seguem: não é só a vergonha (se é que ela existe ali), é a noção de que doravante haverá ainda mais escrutínio aos homens e mulheres que Ventura escolher como candidatos.

… e os princípios do Bloco

Já no Bloco de Esquerda, é difícil escolher o que será pior. Se a reação inicial a uma notícia, se o pedido de desculpa tardio, se a fraca justificação para o despedimento de duas mães de recém-nascidos, contrariando todos os discursos laborais do partido. Fraca justificação, sim, porque assume o pressuposto de que a dispensa das trabalhadoras por terem menor disponibilidade, contestando apenas o modo como isso foi comunicado às duas mulheres.

Na entrevista de Pedro Nuno Santos ao Expresso, o Bloco poderia ter legitimas expectativas de recuperar um tipo de eleitor que prefere votar por princípios. Mas com esta polémica em cima não há princípio que resista – só um fim (de ciclo).

Volto, assim, ao início deste Observatório da Minoria: as presidenciais estão a acelerar, Marques Mendes e António Vitorino devem estar mesmo aí à porta, tudo indica que PSD e PS acabarão unidos em torno de um só candidato. Há dois meses, eu escrevia aqui que Gouveia e Melo não é um perigo, é um aviso ao PSD e PS. A avaliar por esta semana, o almirante nem precisa de dizer nada em campanha.

Eu sei, são erros diferentes: crime no Chega, falta de princípios no Governo e no Bloco, inabilidade no PS. Mas lá que ajudam Gouveia e Melo, não tenho dúvidas.

Caro Almirante, agradeça-lhes (fica bem).

Até prá semana.

O Observatório da Minoria desta semana acaba aqui. Se tiver dúvidas, comentários ou mesmo críticas, envie-me um email para ddinis@expresso.impresa.pt

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