Foi surpreendente ouvir Rita Júdice na abertura do ano judicial, confrontando uma sala inteira com a morte de uma mulher vítima de violência doméstica. Um desafio poderoso, lançado na cerimónia mais tradicional, num dos mais conservadores dos setores profissionais, numa das mais pesadas salas do país. Como se a ministra da Justiça lhes exigisse que sentissem aquela morte (e a dor dos filhos, familiares e amigos) para que percebessem a urgência de agir.
Rita Júdice criou um desconforto e conquistou as atenções. Mas só o conseguiu porque se colocou no lugar das vítimas. O discurso transbordou de empatia. Infelizmente, uma palavra que pouco se ouve e mal se sente quando se ouve a maioria dos membros do atual Governo. Sim, a falta de empatia é um problema político.
Siga comigo, neste Observatório da Maioria tento explicar-lhe porquê.
Os políticos não são todos iguais – e ainda bem que é assim. Mas quando os partidos e os políticos são olhados com desconfiança, quando a sociedade se polariza, quando o ressentimento cresce, há qualidades que ganham valor. É o caso da empatia: nem por acaso um nome feminino, vindo do grego pathos (estado de alma), que nos diz sobre a “capacidade de perceber emocionalmente o outro” ou de se “identificar” com ele.
Com muitas qualidades que terá, a empatia não parece ser o forte de Luís Montenegro, como ficou uma vez mais claro no que disse este fim de semana, quando estavam nas ruas de Lisboa as duas manifestações que sabemos:
“Num dia onde os extremos erguem cada um a sua bandeira em contraponto, em conflito aberto para o outro, nós somos o elemento aglutinador, de confluência, de moderação”.
Montenegro não deve ter visto uma manifestação contra a polícia e outra a favor – nesse caso teria de ter elogiado a do Chega.
Montenegro não pode ter visto uma manifestação pró-emigração e outra contra – aí teria de ter elogiado a que juntou as esquerdas.
Na dúvida, fiquemo-nos por aqui: quando muitos imigrantes se juntam numa manifestação a pedir que os aceitem, a palavra “extremo” não tem moderação possível. Aqui não há “confluência” possível.
Mas há um padrão no Governo, quando falamos de segurança e emigração. Já tinha custado ouvir o primeiro-ministro dizer, de forma fria, que uma ação policial que encostou dezenas de emigrantes à parede servia para “dissuasão de conduta criminosa”.
Luís Montenegro deu depois uma entrevista ao Diário de Notícias, onde tentou corrigir o tom: “Honestamente, também não gostei de ver… visualmente”. Para honesto, a frase tinha um advérbio a mais. Para empatia sobrava toda a frase seguinte: “Mas devo dizer outra coisa, com a mesma honestidade, lembro-me de ter visto muitas mais imagens daquelas, até noutro tipo de operação policial, de rusgas, nomeadamente, com fenómenos ligados à noite”.
A mesma sensação de que o Governo trata com frieza as minorias já tinha ficado aquando da morte de Odair Moniz e dos tumultos que se seguiram em várias zonas da capital. Deu rapidamente ordens para a polícia atuar, teve muitas palavras para os portugueses que se sentiriam assustados. Mas não me recordo, nesses dias, de uma palavra para a família de Odair, nem há memória de um ministro ter ido ao bairro de Odair naqueles dias ou depois deles. Lembro-me, sim, de Marcelo ter passado por lá, de Isaltino Morais ter insistido em defender os seus bairros, como se fossem mesmo seus.
Sim, há uma insensibilidade no Governo neste tema que incomoda, mas não é o único. Lembro-me da forma como o ministro da Presidência apresentou uma lei que aumentava multas aos maquinistas com excesso de álcool no sangue, de forma tão crua que provocou uma greve. E lembro-me, também, de como a notícia de uma dezena de mortes aquando da greve do INEM levou uma secretária de Estado a acusar os jornalistas de “anemia” (queria dizer amnésia, referindo-se a problemas do INEM em governos anteriores). Tudo sem uma palavra de lamento às famílias enlutadas, que a própria ministra da Saúde demorou vários dias fazer em público.
Sim, eu percebo que estará a pensar que, apesar de tudo isto, as sondagens começam a sorrir a Montenegro. Segundo a Aximage, não só a maioria dos portugueses parece considerar positiva a operação policial no Benformoso, como a distância entre a AD (33%) e o PS (27%) subiu nos últimos dois meses.
A isso, um utilitarista responderia que é uma vantagem muito curta para chegar a uma qualquer maioria. Um já humanista diria que não há país que se governe na base da divisão.
Vale, por isso, a pena voltar ao tema que Rita Júdice introduziu esta segunda-feira, o da violência doméstica, o mesmo que levou Luís Montenegro a dizer-se “convicto” de que o aumento dos casos reportados se devia ao aumento das denúncias e não a um “aumento real”. Volto ao tema para lhe dizer que a ministra da Justiça conseguiu mostrar que é possível juntar empatia e firmeza. Não sei se é uma nota de esperança vinda do Governo, mas é certamente o caso da empatia de que precisamos.
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