Observatório da Minoria

Seis dúvidas que vão desbloquear o impasse de 2024/25

Viva, bem-vindo ao novo ano :)

Este parece particularmente difícil, certo? A boa notícia é que dificilmente entraremos assim em 2026. Hoje trago-lhe sete dúvidas com que entrei no ano novo. As respostas que nos chegarem a cada uma delas dirão como sairemos deste estranho impasse político em que temos vivido nos últimos meses. Vamos a isso?

José Fonseca Fernandes

1) Montenegro vai voltar a chamar Ventura a São Bento?

Desde que Luís Montenegro acusou André Ventura de mentir no verão passado, em plena conversa sobre o Orçamento, que não sabemos de novos encontros entre os líderes do PSD e do Chega. Mas é verdade que os dois partidos têm falado no Parlamento sobre matérias sensíveis, negociando por exemplo aquele projeto de lei que restringirá o acesso a muitos estrangeiros (incluindo imigrantes não registados) ao SNS.

Tem feito caminho, também, a aproximação do Governo a um discurso mais securitário – que faz parte da identidade da direita radical. É certo que não é o mesmo: o PSD mostra-se mais humanista e não fala da deportação de imigrantes, como faz a cada semana o Chega. Mas este ano haverá um momento definidor, quando o Governo disser o que quer fazer aos milhares de imigrantes que não conseguirem a legalização no processo extraordinário que já começou.

O ano é longo e veremos como os dois farão esta dança, em temas vários, do alargamento dos prazos da IVG, à revisão da disciplina de Cidadania. Mas o momento definidor virá no próximo Orçamento, onde parece muito improvável que Montenegro volte a ter as portas abertas dos socialistas. Deixo, assim, estas dúvidas: Luís Montenegro vai voltar a chamar a São Bento, mais ou menos discretamente, André Ventura? E até que ponto haverá caminho para que se possam entender no próximo Orçamento?

2) As esquerdas juntam-se? E Pedro Nuno, passa das autárquicas?

Precisamente com o mote da “securitização” da direita, a líder parlamentar do PS deixou um desafio, na primeira edição do Expresso deste ano:

“que as forças políticas democráticas (de direita e de esquerda) que partilham os valores da liberdade, da igualdade, da justiça e da solidariedade se entendam para salvar o ‘chão comum’ assente na democracia, no Estado de direito e no Estado social.”

É claro que os destinatários do “apelo” são mais uns, à esquerda, do que outros, à direita. E é certo que têm como pano de fundo o momento mais definidor do ano político em que entrámos, as eleições autárquicas.

Pedro Nuno Santos, que continua a adiar a decisão sobre o/a candidato/a do PS a Lisboa, precisa mesmo de uma vitória em setembro. Sim, é claro: o plano do líder socialista é ganhar autárquicas, chumbar o Orçamento e partir para legislativas em 2026 com essa força política.

Mas lembremos o cenário inverso: se Pedro Nuno Santos perde, não só terá muito mais dificuldade em chumbar o Orçamento, como terá um terrível calendário interno pela frente: o seu mandato no PS é de dois anos e terá de convocar eleições diretas para depois das presidenciais de janeiro de 2026. E se não passar no decisivo teste das eleições locais abrirá a porta aos críticos internos e a um provável desafiador.

A questão é saber o que será uma vitória suficiente para Pedro Nuno nas autárquicas. Por agora, os socialistas têm vantagem: são 34 câmaras a mais do que o PSD. Só que muitas delas estão em limite de mandatos. Simplifiquemos: é claro que o PS tem de ter mais câmaras que o PSD, só que precisa de juntar a isso a recuperação de Porto ou Lisboa, de preferência mantendo Sintra e Gaia – se possível juntando algumas novas conquistas.

Esta vitória não é fácil. Pelo que vale a pena voltar ao apelo de Alexandra Leitão, uma possível candidata na capital: em Lisboa e no Porto, o PS precisaria de juntar forças com BE, Livre e PAN, para ter hipóteses mais reais de boas conquistas. E, claro, uma vitória das esquerdas unidas (mesmo sem PCP, que se colocou já de fora) serviria de balanço a todos para umas legislativas antecipadas no ano seguinte, onde o sonho é reconstruir uma maioria parlamentar à esquerda.

Missão impossível? Parece. Mas é toda esta pressão que está sobre os ombros de Pedro Nuno Santos. A imagem perfeita disso é o desafio que Pedro Adão e Silva lhe deixou no Público este domingo: e se Pedro Nuno Santos concorrer em Lisboa?

3) Quem traça linhas vermelhas ao Chega nas autarquias?

Retenha este dado, fundamental para perceber 2025: na eleição de cada câmara, vai governar quem tem mais votos. Traduzo: não há geringonça possível que inverta quem vai liderar.

Mas, dito isto, quem ganhar uma câmara vai precisar de negociar uma maioria (se não a conquistar nas urnas), nem que seja para aprovar orçamentos. E aí a questão vai colocar-se pela primeira vez: o PSD manterá no poder local a linha vermelha que (aparentemente) mantém com o Chega? Mas, já agora, e o CDS, nas poucas câmaras que manterá? E quanto o PS, resistirá à pressão de alguns dos seus autarcas, quando precisar do voto de PSD ou Chega? E os executivos camarários, manterão uma certa estabilidade ou vamos ter muitas mais eleições intercalares a partir de agora?

Lembrete, para memória futura: em Espanha, o crescimento do Vox fez-se a partir das eleições autonómicas. E a sua legitimação pelo PP espanhol também.

4) O PS consegue evitar dois candidatos presidenciais?

Mais um problema para Pedro Nuno Santos. O líder socialista decidiu começar o seu mandato com um compromisso: desta vez, ao contrário do que aconteceu com António Costa, o PS apoiará um candidato formalmente.

Parece bem, no papel, só que a realidade é mais difícil. E a realidade é que, para não se comprometer com o apoio a Mário Centeno, Pedro Nuno decidiu disparar nomes alternativas, incluindo o de António José Seguro. Mais tarde admitiu o erro, mas o caso estava feito: Seguro regressou nos comentários televisivos, logo anunciando que estava a pensar numa candidatura a Belém. Na direção do PS, ninguém parece comprar essa candidatura, mas parece muito claro que Seguro acelerou (até conta de Tik Tok criou). E é quem está mais livre para formalizar uma candidatura.

Ora, aqui entram os problemas: se o PS não quer Seguro, pode dar o apoio a Centeno, não sendo ele sequer militante do PS? E se Vitorino entrar (ou Santos Silva), os órgãos do PS votam num dos dois e dividem-se no terreno? E, se assim for, como evitar uma dispersão de votos que arrisca a deixar só a direita (e Gouveia e Melo) numa segunda volta?

Sim, o jogo das presidenciais é também de alto risco para o PS. É claro que não vamos saber em 2025 quem ganha ou quem passa à segunda volta, mas saberemos se os almoços de Pedro Nuno resultaram numa séria indigestão.

5) E Ventura, aguenta até ao fim a corrida a Belém?

O líder do Chega formaliza no final de fevereiro a sua candidatura à Presidência, depois de ter ficado claro que Gouveia e Melo não iria acolher nem o seu apoio, nem o seu discurso. Percebe-se que André Ventura não queira ficar sem palco durante as presidenciais (p.e. nos debates), subentende-se também que não tem ninguém no partido à altura para um desafio tão difícil. Mas a verdade é que Ventura arriscará muito se levar a candidatura até ao fim.

Risco? Sim. Na única sondagem que já foi publicada com vários potenciais candidatos, Ventura aparecia em quarto, (muito) atrás de Gouveia e Melo e Passos Coelho, mas também depois de Marques Mendes e colado a Mário Centeno. Pode parecer bom, mas não é bom sinal: porque só passam dois a uma segunda volta; e porque à esquerda a tendência será de união para tentar chegar à segunda volta.

Eu sei que está a pensar nisto: o Chega conseguiu 1,1 milhões de votos nas legislativas, bem acima do meio milhão de votos das presidenciais de 2021. Mas agora contraponho que não havia Almirante em nenhuma das duas; e lembro que nas europeias, bem, foi uma queda e tanto, com menos de 400 mil votos. Daí a pergunta: Ventura arrisca mesmo ir até ao fim desta vez?

6) Marcelo terá dias felizes com Montenegro?

Ao contrário da maioria dos comentadores e analistas, não compro a ideia de que Marcelo entrou em final de festa e já não conta. Ao contrário, desvalorizar o Presidente parece-me perigoso. Sobretudo se for Luís Montenegro a fazê-lo.

Marcelo é a memória viva do velho PSD, o partido social-democrata de raiz social-cristã que se fez pilar fundamental da nossa democracia. É certo que o último congresso social-democrata já demonstrou ser qualquer coisa diferente disso, quando aplaudiu veementemente a parte da agenda mais conservadora do novo Governo, mas também é certo – e várias sondagens o foram dizendo – que dois terços dos eleitores do PSD querem distância do Chega e da sua agenda.

Mais: Marcelo, que tem feito claramente um esforço para não dizer tudo o que pensa deste Governo, exigirá a Montenegro este ano que cumpra o PRR e que resolva a crise na saúde, por exemplo (este era o ano, lembram-se?). O Presidente andará por aí e sabe que termina o mandato sem poder de dissolução, mas com uma arma de destruição maciça nas mãos sobre o Governo: se 2025 acabar com uma crise política, a última coisa que Montenegro vai querer é ter um Marcelo crítico à perna, dividindo a sua base política quando mais precisa de a fazer crescer.

Atenção, portanto, decretar-lhe a sua morte política é claramente exagerado. Ou ele não se chame Marcelo, o único político que os portugueses conhecem apenas por um nome.

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