Observatório da Minoria

Por que a direita não pode chegar às presidenciais dividida

ANTONIO P FERREIRA

Nos bastidores, muita gente parece convencida de que Marcelo já tem um sucessor pré-designado na Presidência. E não há dúvida alguma de que uma pessoa, em particular uma, está há anos a preparar caminho para isso. À distância de um ano e cinco meses – as eleições presidenciais são em janeiro de 2026 – , parece-me precipitado assumir que seja tudo assim tão simples. Diria até que o que se tem passado mostra o contrário: que esta será uma eleição tão importante como difícil para a direita. Eis porquê.

1) O peso da história (e dos ovos)

Mário Soares foi eleito quanto Cavaco chegou ao Governo – e reeleito em plena maioria cavaquista. Cavaco Silva foi eleito quando José Sócrates estava no poder – e reeleito antes do fim desse tempo. Marcelo também: foi eleito quando António Costa chegou, de geringonça, a São Bento e acabou reeleito com a sua bênção. Serve isto para lembrar que, na história da recente democracia portuguesa, só uma vez alguém conseguiu ser eleito quando o Governo estava nas mãos do seu partido de eleição: foi Jorge Sampaio, por duas vezes, sempre com António Guterres primeiro-ministro.

Mas é bom olhar para as letras pequeninas desse ano de 1996, a única exceção da famosa regra aplicada aos portugueses de que escolhem distribuir os ovos por cestos diferentes – quando se trata de escolher governos e quem os possa fiscalizar. Nesse ano, Sampaio defrontou precisamente Cavaco Silva, que apenas dois meses antes tinha terminado uma governação de 10 anos, até hoje o mais longo mandato em São Bento. E Cavaco saíra sem glória, com um PSD degradado, dividido e uma crise económica ainda mal digerida.

É claro que Sampaio teve mérito (já lá vamos). Mas o importante a reter é que daqui a ano e meio a direita dificilmente encontrará um cenário tão favorável como aquele ano de 1996 deu aos socialistas. No cenário central, Luís Montenegro terá quase dois anos de governo. Pode chegar lá melhor, ou pior. Mas nem terá um governo fresco, nem o adversário será (à partida) um primeiro-ministro cessante e desgastado.

2) Acabou a era dos senadores (e nota-se no peso)

É claro que a história não seria um problema se houvesse um nome arrebatador em perspetiva – de resto, a história está cheia de exceções e em presidenciais os portugueses escolhem mesmo uma personalidade.

Acontece que as próximas eleições presidenciais vão ser as primeiras desde a revolução em que não teremos candidatos com raízes históricas na fundação e crescimento da nossa democracia. Ramalho Eanes era, Mário Soares tanto ou mais. Jorge Sampaio trazia a luta contra a ditadura na pele. Cavaco não, mas os 10 anos no poder e as maiorias absolutas deram-lhe gravitas e, claro, traziam-lhe votos ao centro. E Marcelo, claro, juntava a popularidade dos comentários ao peso incontornável de ter estado na vida política desde o dia 1 da fundação do PPD.

Olhando para os candidatos que se perfilam, vemos histórico político e alguma experiência, mas nada que se compare. Marques Mendes foi ministro de Cavaco e Barroso, mas a sua liderança no PSD durou pouco e acabou às mãos de Luís Filipe Menezes, de quem nem reza a história. Passos Coelho foi primeiro-ministro, mas em tempos difíceis e ainda muito presentes. Mário Centeno entrou pela mão de António Costa e ganhou gosto e jeito – mas não é filiado no PS. Augusto Santos Silva é recordista em ministérios, mas nunca ambicionou mais do que isso. São apenas exemplos, mas ilustrativos de que a nossa democracia, naturalmente, passou mudou de gerações.

À direita, em particular, isto traduz-se de modo muito simples nas primeiras sondagens: nenhum nome da sua área parece ser suficientemente forte para ter como segura, à partida, uma vitória. Comecemos pela mais recente, o estudo da Intercampus para a CMTV (no início de agosto), que colocava os inquiridos perante duplas de candidatos:

  • Luís Marques Mendes, por exemplo, aparecia bem posicionado mas não ganharia a Guterres, nem ao almirante Gouveia e Melo. Mesmo contra Mário Centeno não passava da marca mágica dos 50% – apesar dos comentários semanais e do milhão de espectadores que o costumam seguir na SIC aos domingos;
  • Passos Coelho, para dar outro exemplo, traz prestígio à direita (e uma certa saudade a parte dela), mas só seguia na frente contra Ana Gomes;
  • Santana Lopes, sempre disponível para desafios, partiria mesmo de baixo – só 25,9% contra Centeno, 33% contra Ana Gomes, 19,4% contra António Guterres.

Em maio, também já com a AD no Governo, a CNN publicava uma outra sondagem, com um método diferente – perguntava apenas quem era o preferido de cada um para Belém. As respostas eram ainda mais difíceis para o espaço político da direita:

  • António Costa e Guterres encabeçavam a lista, destacadamente mais populares do que os nomes presidenciáveis à direita;
  • Passos Coelho era terceiro, Marques Mendes apenas quinto na lista – mas os dois do PSD recolhiam apenas com 13% e 7% das escolhas diretas;
  • Passos destacava-se como o mais popular entre os eleitores da AD e do Chega, mas não era testado aqui ao lado de candidatos socialistas mais prováveis como Mário Centeno (contra o qual aparecia mal na sondagem da CMTV em agosto).

Claro que sondagens são apenas retratos, muito distantes da realidade se pensarmos numa eleição a ano e meio de distância. Mas são instrumentos fiáveis para aferir as condições de lançamento de uma candidatura – e aí o cenário não parece entusiasmante.

3) Começa o saco de gatos

Como se tudo isto não fosse problema suficiente, a direção do PSD decidiu, nesta altura, lançar um novo nome para cima da mesa. Trata-se de Leonor Beleza, a ex-ministra da Saúde de Cavaco Silva, agora presidente da fundação Champalimaud, reaparecida na vida política apenas recentemente precisamente pela mão de Montenegro.

Beleza tem gravitas no PSD, disso não há dúvida: é ouvida em rigoroso silêncio nos congressos, bem vista por sucessivos líderes e pelo atual Presidente, que a levou para o Conselho de Estado. Mas ter estado muito tempo fora da vida política tem consequências visíveis quando o seu nome é testado junto da opinião pública. Como se viu no estudo da Intercampus, partiria bem atrás de nomes como Ana Gomes ou Mário Centeno (para não falar de Guterres ou Gouveia e Melo).

Nada contra Leonor Beleza – de resto, fazem muita falta candidatas mulheres nestas listas de presidenciáveis. Mas o facto é que, no campo do PSD, começam a ser muitos os nomes de candidatos possíveis para 2026. Sabemos da disponibilidade de Marques Mendes, ouvimos a vontade de outros em trazer de volta Passos Coelho, conhecemos a vontade antiga de Rui Rio, ou mesmo a sempiterna de Santana Lopes.

É uma confusão a destempo, mas seria fácil de solucionar: entre os quatro, o partido tem dois relativamente bem posicionados – sendo que só um deles tem uma relação pacífica com o governo atual. E em vez de lhe abrir espaço decide, agora, colocar mais um nome na calha, aumentando a competitividade dentro do seu espaço, criando tensões visíveis (ouvimos como reagiu, indiretamente, Marques Mendes na SIC) – e porventura criando expectativas em outros.

Tudo pode correr bem. Mas não foi o que aconteceu ao PS quando hesitou nas presidenciais:

  • Em 2006, deixou Manuel Alegre correr contra Mário Soares;
  • Em 2011 apoiou Alegre, fora de tempo;
  • em 2016 viu o seu espaço dividido entre Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém;
  • Há três anos lançou Ana Gomes, mas (claro) deixando claro que Marcelo era o candidato do regime.

Sabemos o resultado final desta lista de divisões: os socialistas não habitam o Palácio de Belém desde 2005.

4) A separação da AD

Luís Montenegro acaba de escrever na sua moção de estratégia ao Congresso de setembro que quer um candidato presidencial que venha “dos quadros do PSD”. Era previsível que quisesse tirar já da equação o almirante Gouveia e Melo, mas a fórmula que escolheu acabou por tirar também da fotografia o seu parceiro de Governo.

Nuno Melo também teve um congresso após as legislativas. E, sintomaticamente, a sua moção de estratégia não tinha uma linha sobre presidenciais. Foi prudente: Melo sabe que, no espaço político do CDS, há também uma pessoa que não descarta a hipótese de concorrer: é Paulo Portas, ex-vice-primeiro-ministro, o único protocandidato que tem a mesma vantagem competitiva que Marques Mendes – com o seu próprio espaço televisivo dominical.

Portas também foi testado em sondagens – e os seus resultados são, à partida, ainda mais difíceis do que os de vários sociais-democratas (36% contra Ana Gomes, 29,4% contra Centeno). Mas convém não subestimar a vontade de Portas e, sobretudo, não subestimar o peso de mais uma divisão à direita, para mais no espaço político já diminuto do atual Governo. Uma primeira volta das presidenciais com mais do que um, até mesmo com dois, três ou quatro candidatos (ainda não sabemos o que fará o Chega ou a Iniciativa Liberal) podem complicar muito as contas. E deixar a AD em terrenos pantanosos.

5) O fator militar

Se nada disto prenuncia umas presidenciais tranquilas à direita, a possibilidade de Gouveia e Melo entrar em campo torna o cenário quase tortuoso.

Com António Costa fora de jogo e com a hipótese António Guterres bastante improvável (o seu mandato à frente da ONU teria de ser interrompido antes do fim), o almirante aparece neste momento como a personalidade mais bem posicionada na linha de partida. Mostra a sondagem da Intercampus que o atual chefe de Estado-Maior da Armada partiria à frente de Passos Coelho (14 pontos), Marques Mendes (oito), Paulo Portas (40) e Santana Lopes (quase 50), mas também parte à frente de Mário Centeno (oito pontos) e Ana Gomes (15).

Gouveia e Melo, que do alto da sua posição militar (e do comando de operações contra a Covid) não se posiciona à esquerda ou à direita, não aparenta ter (diz a sondagem da CNN) muitos fiéis na AD, mas colhe simpatias entre socialistas, liberais ou até eleitores do Chega. O que mostra bem a rara amplitude política com que se apresentaria.

Para todos os efeitos, o almirante terá de tomar opções daqui a alguns meses, quando o Governo lhe entregar a hipótese de recondução no cargo. O que sabemos por agora é que tem entregue visibilidade rara ao ramo militar e que recusa sistematicamente abdicar da sua liberdade política.

Se Gouveia e Melo se lançar na corrida, aí sim, a direita fica proibida de dividir-se entre candidatos: Gouveia e Melo é simplesmente forte demais, como candidato, para que a direita se apresente com, por exemplo, Marques Mendes e Paulo Portas – muito menos com dois “quadros do PSD”, na expressão agora usada por Montenegro. Isto porque…

… e concluindo…

Isto porque, como dizia a Eunice Lourenço na Comissão Política desta semana, é bem possível que venhamos a ter as primeiras presidenciais desde 1986 que se decidem numa segunda volta.

Que ninguém duvide: com tantos nomes posicionados, o fator decisivo à direita será o timing. Assim o provou Jorge Sampaio quando, em 1994, decidiu saltar por cima do partido e lançar-se como candidato ainda a partir da câmara de Lisboa (a que presidia), acabando com tentações de outros potenciais candidatos – ou adversários internos. Assim o provou, também, Marcelo Rebelo de Sousa, que sabia como Rui Rio estava a montar uma máquina, que ouviu Passos Coelho a tentar barrar-lhe caminho (a expressão "cata-vento" ficou na história), e decidiu lançar-se no momento certo, ainda quando Passos achava que ia negociar com António Costa um governo PSD+CDS+PS (e antes de Costa formar a geringonça). Foi nesse momento que Rui Rio percebeu que já não tinha estrada para andar.

E quem ninguém duvide, ainda: as próximas presenciais vão ser muito importantes para a definição do ciclo político que começou em março. Não é, aliás, improvável, que a primeira decisão do novo chefe de Estado seja a convocação de eleições antecipadas – caso Montenegro chegue lá. Serão, nesse cenário, uma primeira volta dessas legislativas. Quer mesmo a direita chegar lá dividida?

O Observatório da Minoria desta semana acaba aqui – e continuará intermitente nas próximas semanas, desde logo por motivos profissionais (uma conferência em Londres daqui a uns dias). Daqui a duas semanas volto aqui, com outro tema.
Entretanto, se tiver dúvidas, comentários ou mesmo críticas, envie-me um email para ddinis@expresso.impresa.pt

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