Observatório da Minoria

No Pontal, Montenegro vestiu-se de PS: seis pistas para uma aproximação (ou takeover)

LUÍS FORRA/Lusa

Na primeira Festa do Pontal com poder, nove anos depois, Luís Montenegro levou três propostas na manga. É certo que os reformados não rejubilaram, que os médicos e ex-ministros da Saúde não aplaudiram e que a oposição criticou, mas anote que o novo PSD aprendeu com António Costa: se não há festa nem festança sem a Dona Constança, também não há rentrée política que se preze sem uns tantos anúncios. Como António Costa provou durante oito anos, é preciso aproveitar as oportunidades para virar a discussão política, sobretudo quando a que corre não é favorável ao Governo. Há um ano o PSD chamava a isto propaganda, agora chama-lhe “governar para os portugueses”.

É apenas um dos sinais de como Luís Montenegro está tentar virar o jogo político. Mas há mais cinco (do Pontal, mas vindos de trás) que vale a pena olhar com atenção. Sobretudo porque, ainda que feito de forma tosca, representam simultaneamente uma oportunidade e uma ameaça ao PS.

Vejamos, ponto a ponto.

1) As contas certas, afinal

O método escolhido por Luís Montenegro para os anúncios do Pontal segue um guião conhecido. Não só as medidas seguem quase à risca outras que o seu antecessor lançou (já lá vamos) como decidiu prescindir de uma grande medida para distribuir três promessas quase simbólicas a eleitorados diversos: aumento extra de pensões, passe nos comboios e mais cursos de medicina.

Mas a primeira conclusão a tirar é que, com estes três anúncios, Montenegro enterrou de vez a estratégia de apontar o dedo às alegadas “derrapagens orçamentais” de Fernando Medina. E alinha o Governo com o objetivo de não ter défices, nem excedentes orçamentais, também ele partilhado pelo PS. É certo que estas não vão provocar um rombo nas contas (o cheque aos pensionistas é uma medida pontual), mas se não houvesse excedente à vista este ano certamente o primeiro-ministro não as puxaria da manga. É o primeiro recuo a sinalizar do discurso do Pontal. Mas traz outros no caminho.

2) Pensões, para que vos quero

O aumento extraordinário das pensões é, claro, o exemplo mais significativo da estratégia de Montenegro.

Primeiro, claro, porque segue à risca o que António Costa fez: durante a geringonça, empurrado pelos acordos à esquerda, houve sempre aumentos extra para os pensionistas; em todos os casos esses aumentos foram especialmente dirigidos aos de rendimentos mais baixos; nos dois últimos anos, vieram a meio do verão, na mesma fórmula de um cheque extra – que não se repete. As medidas renderam aos pensionistas, mas também ao PS – visto que ganhou neles o mais fiel dos eleitorados nas últimas três eleições legislativas.

Talvez por isso, Montenegro fez um esforço extra: é que os dois cheques de Verão de António Costa tinham como pretexto o aumento da inflação, coisa que não existe este ano. Isso, por si só, torna claro que Montenegro quer convencer os eleitores reformados de que o seu PSD já não é o de Passos, já não é o da troika – estratégia que, em rigor da verdade, tenta vincar desde o congresso de novembro de 2023, quando as legislativas foram convocadas.

Sendo mais convicta ou tática, o que indica é que o novo Governo, tal como o socialista, já não teme pela solidez das contas futuras da Segurança Social. E, como o próprio primeiro-ministro referiu, só não aumentará as pensões acima do que prevê a lei se as contas do Orçamento não o permitirem. Para Pedro Nuno Santos, será difícil recusar tal proposta.

3) A Saúde, com uma velha guerra

Durante dois anos, a direita – em particular o PSD – usou as corporações profissionais para denunciar o “caos” do SNS. É uma velha estratégia, de proveito fácil: as ordens profissionais e os sindicatos ajudam, com os seus protestos (muitas vezes justos) a passar a imagem de um ponto de não retorno nos serviços, que depois se capitaliza em promessas eleitorais.

Nos últimos quatro anos, o Governo de António Costa tinha perdido o apoio de todos: médicos, enfermeiros, ordens, sindicatos. E Montenegro aproveitou para lhes prometer um futuro melhor. O ponto alto foi quando, implementando uma reforma prometida desde os tempos da troika, Costa retirou privilégios à Ordem dos Médicos e o PSD votou contra, prometendo reverter partes dessa legislação. Coincidência ou não, o ex-bastonário acabou por integrar as listas do PSD, como cabeça de lista pelo Porto.

Agora, no poder, Montenegro converteu-se. Não deixou qualquer indicação de querer usar o setor privado como apoio e, desafiando os médicos a sair de uma posição corporativa (como Costa fez), anunciou no Pontal uma promessa – antes repetida por Costa (e por Manuel Heitor, seu ministro do Ensino Superior) – de criar dois cursos de medicina no interior do país, uma que o ex-bastonário sempre criticou por “desqualificar” a formação de futuros profissionais de saúde.

“Farei tudo” pela criação de novos cursos, disse agora Montenegro. A ser assim, terá pela frente os mesmos desafios do antecessor.

4) Comboios, a paixão de Pedro Nuno

O terceiro anúncio de Luís Montenegro foi a criação de um passe universal de comboios para todo o tipo de ferrovia e que vai custar 20 euros. Chamou-lhe “passe ferroviário verde” e pode ser usado em comboios regionais, suburbanos e intercidades. Seria uma boa ideia se fosse nova, mas também não é: apareceu pela mão do Livre e estava inscrita no Orçamento em vigor (herdado pelo atual Governo).

A boa nova, neste campo, é a conversão de Montenegro também a este ideia, que teve o voto contra do PSD (e do CDS) há pouco menos de um ano. Conversão plena, ao que parece, visto que o primeiro-ministro a assumiu como sua, embora com um valor menor do que estava inicialmente previsto.

O caso é politicamente mais significativo, ainda, não só porque a 'mobilidade verde' é uma medida tipicamente apoiada pela esquerda (e contestada pelos populistas), mas também porque a ferrovia é uma conhecida paixão de Pedro Nuno Santos, líder do PS. Enquanto ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno bateu-se pela modernização do setor, enquanto candidato teve várias ações de campanha mostrando a reforma que tinha iniciado. Agora, parece ser um amor comum.

5) A paz com a função pública

Fechando o círculo, Montenegro fez com a função pública o mesmo que fez com os pensionistas: seduziu. Lembrou, um a um, os acordos de valorização salarial que já celebrou, piscando o olho ao(s) eleitorado(s) que andaram desavindos com os sociais-democratas.

Não é demais lembrar que, nos primeiros 100 dias de governação, a AD já aumentou um em cada quatro funcionários, em diferentes setores, abandonando pelo meio a velha guerra da redução do Estado ou da diminuição do peso salarial.

Os custos da pacificação serão pesados em orçamentos futuros, mas o Governo desconta na fatura os ganhos (eleitorais) futuros. Ouvindo o discurso do Pontal, parece evidente que Montenegro não cortará também ali nas negociações do Orçamento, retirando mais um ponto de fuga ao PS.

6) Não vincar diferenças

Depois de ter feito da redução de impostos um dos pontos fortes da campanha, Montenegro não usou a rentrée do Pontal para marcar posição relativamente ao IRC, limitando-se a sublinhar o objetivo (“Vamos baixar a fiscalidade sobre as empresas").

Fazer disso um ponto de honra das negociações do próximo Orçamento seria inevitavelmente lido como um braço de ferro político – como se o Governo quisesse esticar a corda em temas onde sabe serem grandes as diferenças face aos socialistas. Montenegro fez o contrário: entregou medidas que, sendo velhas, não podem merecer oposição de Pedro Nuno.

Feitas contas a estes seis pontos, podemos acusar Luís Montenegro de ser tático, de falta de rasgo ou ambição. Mas deste Pontal o que resulta claro é uma armadilha estendida ao PS: vestindo a pele de Costa, ou ganha o seu apoio para o Orçamento, ou correrá atrás do eleitorado socialista para as próximas legislativas.

P.S. Não restam dúvidas: em Portugal, o centro político está vivo. O que parece é cada vez mais indiferenciado. Isso é um desafio para Montenegro, mas também para Pedro Nuno. Essa crónica ficará, porém, para daqui a uns tempos.

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